As negociações na Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA) cresceram 90 mil milhões de kwanzas no primeiro trimestre de 2025, atingindo um total de 1,3 biliões Kz — o equivalente a cerca de 1,4 mil milhões de dólares.
Contudo, apesar deste crescimento robusto, as acções continuam a representar apenas 0,1% do mercado bolsista angolano, com a dívida pública a dominar completamente o cenário.
Num país onde a bolsa ainda é uma realidade distante para muitos cidadãos, esta evolução levanta questões importantes: O que está realmente a crescer? O que explica o desinteresse pelas acções? E por que é importante diversificar o mercado de capitais?
O que impulsionou o crescimento da bolsa?
De acordo com dados da BODIVA analisados pelo jornal Expansão, o aumento de 7,5% no volume total de negociações deveu-se quase exclusivamente à compra e venda de títulos da dívida pública:
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- As Obrigações do Tesouro em Moeda Externa (OT-ME) cresceram de 10,8 mil milhões Kz para 531 mil milhões Kz.
- Os Bilhetes do Tesouro (BT) dispararam 1.445% para 23,9 mil milhões Kz.
- As Obrigações Indexadas (OT-TX) mais do que duplicaram, atingindo 1,8 mil milhões Kz.
- Já as Obrigações Não Reajustáveis (OTNR) caíram 38%, mas ainda representaram o maior volume individual: 731,3 mil milhões Kz.
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Em resumo: mais de 99,9% de todo o volume transaccionado na bolsa está concentrado na dívida do Estado — algo que, embora contribua para a solidez da plataforma, revela uma enorme dependência de um único tipo de activo.
E as acções? Cresceram… mas ainda valem pouco
Mesmo com um crescimento de 624% nas negociações em acções (de 107,8 para 780,6 milhões Kz), este segmento ainda representa apenas 0,1% do volume total da BODIVA.
Este aumento foi impulsionado, sobretudo, pela entrada de novas empresas em bolsa no segundo semestre de 2024, nomeadamente:
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- ENSA (Seguros de Angola)
- BODIVA (a própria bolsa, que se tornou empresa cotada)
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Estas vieram juntar-se ao BAI (Banco Angolano de Investimentos) e ao BCGA (Banco Caixa Geral Angola), únicas empresas cotadas até então.
Por que razão os angolanos investem tão pouco em acções?
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- Baixo nível de literacia financeira – Muitos cidadãos ainda desconhecem o funcionamento da bolsa e os benefícios do investimento em acções.
- Cultura de investimento conservadora – Há uma preferência por depósitos a prazo ou imobiliário, considerados mais seguros, apesar dos retornos mais baixos.
- Ausência de grandes investidores institucionais estrangeiros, que poderiam dinamizar o mercado com liquidez e diversificação.
- A bolsa ainda é nova – A BODIVA foi criada em 2014 e só em 2022 iniciou o mercado de acções. O processo de maturação ainda está em curso.
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Por que é importante diversificar?
O mercado de capitais não deve viver apenas da dívida pública. Um mercado accionista forte:
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- Apoia o crescimento das empresas, dando-lhes acesso a financiamento.
- Permite que os cidadãos se tornem investidores e compartilhem dos lucros das empresas.
- Reduz a dependência do Estado como motor principal da economia.
- Aumenta a transparência e a competitividade empresarial.
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As acções que mais valorizaram
Apesar do volume reduzido, o mercado de acções está a dar sinais de vitalidade e rentabilidade:
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- BCGA: valorizou 32%, passando de 12.500 Kz para 16.499 Kz.
- BAI: cresceu 9%, com acções a subir de 58.320 Kz para 60.000 Kz.
- BODIVA: registou 2% de valorização, subindo de 23.000 Kz para 23.400 Kz.
- ENSA: manteve o valor inalterado nos 19.000 Kz.
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Além disso, várias empresas distribuíram dividendos, aumentando o interesse do pequeno investidor.
Caminho para o futuro: o que falta?
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- Campanhas de literacia financeira, especialmente para jovens e funcionários públicos.
- Incentivos fiscais para investidores individuais.
- Mais empresas privadas e públicas cotadas – o que criaria um leque maior de opções.
- Acesso digital simplificado – investir na bolsa ainda é burocrático e tecnicamente distante para muitos angolanos.
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A BODIVA está a crescer, sim, mas quase inteiramente à sombra do Estado. Para que o mercado de capitais angolano cumpra o seu verdadeiro papel — o de financiar a economia real, gerar riqueza e inclusão financeira — é preciso fortalecer o mercado de acções, atrair novos investidores e educar o público sobre as oportunidades que existem fora da dívida pública.
Angola tem potencial. O desafio é transformar esse potencial em cultura de investimento.