A nacionalidade angolana está a ser negociada clandestinamente por valores que chegam aos 1,2 milhões de kwanzas, num esquema de corrupção envolvendo intermediários ilegais e funcionários públicos afectos às lojas de registos, denuncia o semanário Expansão após uma investigação em três localidades da capital.
O esquema opera de forma quase aberta nas imediações de serviços da Direcção Nacional de Identificação, Registos e Notariado (DNIRN), particularmente nas lojas de registos do Gamek (Nosso Centro) e do Kima Kieza (Cazenga), onde “mixeiros” abordam potenciais clientes à porta dos edifícios e prometem um processo rápido, sem entraves burocráticos — mediante pagamento avultado e conluio com funcionários internos.
Segundo apurou o Expansão, os principais interessados neste esquema são cidadãos da República Democrática do Congo (RDC), muitos dos quais entram ilegalmente no território nacional e veem na obtenção fraudulenta da nacionalidade uma via para facilitar mobilidade internacional — com destino preferencial à Europa, Brasil, Estados Unidos e Canadá.

Registo de ilegalidades: o “cabrito come onde está amarrado”
A equipa de reportagem do Expansão deslocou-se às lojas de registo localizadas no Kilamba Kiaxi, Gamek e Kima Kieza, tendo constatado que apenas a loja do Kilamba Kiaxi não exibia sinais evidentes da operação fraudulenta. Já no Kima Kieza, o esquema funcionava com uma fluidez perturbadora: intermediários posicionados à entrada abordavam os cidadãos antes mesmo de estes entrarem nas instalações.
“Basta trazer o indivíduo que deseja obter o documento, ele será avaliado pelo técnico dos registos e, depois disso, paga 50% do valor combinado”, explicou um dos mixeiros abordado pela equipa do jornal, confirmando a cumplicidade interna.
As operações decorrem com aparente impunidade: cidadãos são abordados e conduzidos para dentro das lojas, onde concluem os processos após a entrega dos valores negociados. Enquanto isso, angolanos legítimos, que chegam de madrugada e enfrentam longas esperas, são frequentemente informados de que “não há sistema disponível”, sendo marginalizados do atendimento formal.
Corrupção estrutural e ausência de fiscalização
Quando confrontado sobre o risco de actuação policial, um dos mixeiros afirmou com desdém:
“O cabrito come onde está amarrado. É daqui que sai o pão para casa.”
A frase resume o sentimento de normalização da corrupção, onde a sobrevivência económica é usada como justificação para práticas ilícitas institucionalizadas.
Implicações legais e reputacionais
A comercialização da nacionalidade angolana não só viola a legislação nacional em matéria de documentação civil, imigração e segurança do Estado, como fragiliza os esforços do Governo em manter a integridade do sistema de registos e a credibilidade internacional do país.
Juristas ouvidos de forma anónima consideram que a ausência de mecanismos de controlo eficazes, digitalização segura e responsabilização administrativa está a criar um ambiente fértil para esquemas fraudulentos envolvendo documentos de identidade, registos de nascimento e certidões de nacionalidade.