A livre circulação no continente e a possibilidade de criar um passaporte único africano começa a ganhar adeptos entre os 54 países africanos, embora os obstáculos sejam ainda muitos.
Durante anos, líderes de África sonharam com a livre circulação no continente, pensaram até na possibilidade de criar um passaporte único africano, utopia que começa a ganhar adeptos entre os 54 países, embora os obstáculos sejam ainda muitos.
A ideia, lembra este domingo a agência Associated Press (AP), surgiu novamente no horizonte após a tomada de posse do novo Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta, em fins de novembro, que anunciou a concessão de vistos à chegada ao país a todos os cidadãos africanos, medida que visa tornar a África Oriental uma plataforma comercial.
A intenção, segundo Kenyatta, é também proporcionar um incremento nas trocas comerciais entre os países da região e, consequentemente, aumentar o crescimento económico, algo que o continente, de norte a sul, necessita desesperadamente, ideia que está também já a seduzir, entre outros, o Benim e o Ruanda.
Quanto maior liberdade existir para viajar, maior integração e diversidade haverá entre nós (africanos)”, defendeu Kenyatta, reeleito Presidente em novembro numa segunda volta presidencial boicotada pela oposição.
Por outro lado, a União Africana (UA) tem saudado esses passos, considerando ser esse o caminho que o continente necessita de seguir.
“Apelo a todos os Estados africanos que ainda nada fizeram neste sentido para que tomem medidas similares”, escreveu o secretário-geral da Comissão da UA, Moussa Faki Mahamat, no Twitter, após o anúncio de Kenyatta.
Os cidadãos africanos podem obter um visto à chegada em 24% dos países do continente, lembra a UA, salientando que a percentagem sobe para 54% os que necessitam do documento quando desejam viajar em África.
A livre migração de pessoas através do continente ajudaria a troca de experiências e aumentaria substancialmente o comércio, defendeu à AP o chefe de missão do Uganda da Organização Internacional das Migrações (OIM), salientando que, apesar de os países terem de investir mais nos postos de controlo fronteiriço, “os benefícios ultrapassam largamente os custos”.
A decisão do Quénia é boa e progressiva e já devia ter sido tomada há muito tempo”, considerou, por seu lado, Godber Tumushabe, ligado ao Instituto de Estudos Estratégicos dos Grandes Lagos, com sede em Campala, Uganda.
A mudança está a chegar, mas não apenas na África Oriental e, também, na zona oeste-africana, onde já vigora a livre circulação entre os 15 Estados-membros da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e em que o Presidente do Benim, Patrice Talon, falou, no ano passado, do fim dos vistos para cidadãos africanos de visita ao país.
Talon disse ter-se inspirado no Ruanda, onde a medida já vigora desde 2013 e que, a partir de 2018 a prática será estendida a todos os cidadãos do mundo.
Tal como a CEDEAO, também a Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) decidiu, há cerca de um mês, abolir a política de vistos entre os seis Estados-membros, com o objetivo de aumentar as trocas comerciais e ainda o turismo.
Este abrir de portas aos africanos no seu próprio continente pode, contudo, revelar um reverso da medalha, sobretudo pela facilidade com que poderão circular membros de grupos islâmicos radicais.
Mais complexa é a situação nalguns países norte-africanos, sobretudo na Líbia, onde o fluxo de migrantes africanos, da classe social mais desfavorecida, é enorme.
Por outro lado, até a própria África do Sul, uma das principais potências económicas do continente, tem-se mostrado reticente e reagido, por vezes, de forma violenta à migração de cidadãos africanos para o país, temendo o aumento da criminalidade e o “roubo” de empregos.
Outro caso é o da Nigéria, a mais populosa nação de África e outra das maiores potências económicas do continente, que se recusa a mudar a política de vistos, obrigando quase todos os que chegam ao país a obter a autorização de entrada.
Entre os prós e os contras, o número de países africanos que deseja uma África sem fronteiras tem vindo gradualmente a aumentar, sendo já frequentes os apelos a que muitos sigam os exemplos do Ruanda, Benim e Quénia.