A contratação simplificada aumentou 311% comparativamente ao mesmo período de 2022, com 188 Procedimentos de Contratação Pública comunicados ou registados pelo Serviço Nacional da Contratação Pública. Apenas 42 apresentavam valores. Especialistas entendem que situação compromete transparência.
O valor contratualizado para a Contratação Simplificada (CS) no I trimestre deste ano aumentou 300 % face ao mesmo período de 2022, passando de 523,5 mil milhões Kz para pouco mais de 2,1 biliões Kz, com base nos Boletins Mensais da Contratação Pública, publicados na página do Serviço Nacional da Contratação Pública (SNCP) referentes aos primeiros três meses de 2022 e 2023.
Do valor total de quase 2,3 biliões Kz estimados para a contratação pública nos primeiros três meses deste ano, 95% foram por ajustes directos, que valeram pouco mais de 2,1 biliões Kz. No entanto estes números podem ainda ser maiores já que nem todos os procedimentos de contratação pública comunicados ou identificados pelo SNCP revelam o valor estimado, como a lei exige.
A Lei dos Contratos Públicos obriga as entidades públicas contratantes a comunicar ao SNCP e a publicar os procedimentos contratuais no Jornal de Angola ou outros meios. Apesar das melhorias nos últimos anos, ainda é prática comum as entidades contratantes escusarem-se a esta obrigação. Situação que leva o SNCP a considerar que “a informação partilhada ainda não cobre o total das compras públicas no País, devido ao nível de incumprimento de comunicação por parte das entidades publicas contratantes”.
O SNCP divulga nos boletins o valor dos contratos bem como o número de contratos por procedimento. Assim, dos 188 procedimentos de contratação pública contratualizados no I trimestre, 68 foram por ajuste directo, uma ligeira redução face ao período homólogo, mas ainda assim foi a escolha preferencial dos gestores públicos, em detrimento, por exemplo, dos concursos públicos, tidos como a forma de contratação mais transparente e justa.
Os concursos públicos entre Janeiro a Março de 2023 caíram 78% face ao mesmo período do ano passado, saindo dos 93 procedimentos concursais para 20. Quanto ao valor estimado, os concursos públicos caíram 47%, para 51,1 mil milhões Kz, quanto nos primeiros três do ano passado foram de 96,7 mil milhões Kz.
Quanto aos procedimentos de contratação pública por objecto, a categoria “empreitadas de obras públicas” foi o mais registado no I trimestre, assumindo a liderança com 71, seguido de “aquisições de serviços” com 59 procedimentos. Já nos órgãos do Estado, os ministérios foram os que mais procedimentos abriram, com um total de 70, seguidos dos governos provinciais com 38 procedimentos.
Ajustes directos retiram transparência
Especialistas entendem que o crescimento dos valores dos contratos por ajuste directo em detrimento dos restantes procedimentos de contratação pública (ver tabela) são escandalosos e comprometem a transparência exigida na Lei dos Contratos Públicos e em nada abonam no processo de combate à corrupção. “Estes números comprometem a transparência quase na sua totalidade”, considerou Heitor Carvalho, coordenador do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada Angola (CINVESTEC).
“Vejo com enorme preocupação que quase a totalidade dos contratos públicos têm sido feitos por contratação simplifica, que retira praticamente a transparência exigida nestes contratos”, disse o investigador ao Expansão.
“Só vejo um caminho que é o de substituir a legislação existente, impedindo a contratação simplificada para casos que não se enquadrem em situações de calamidade ou mais graves”, considerou Heitor Carvalho. O problema é que os principais prevaricadores são praticamente os mesmos que fazem as leis, como é possível verificar- -se no recurso quase exclusivo à entrega de contratos públicos pelo Governo a empresas como a Omatapalo, o grupo Mitrelli, o grupo Carrinho e a Gemcorp, que já lhes valeu o cognome de as quatro estrelas da governação de João Lourenço.
Fernandes Wanda, coordenador do Centro de Investigação Social e Económica da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, entende que a contratação simplificada retira a concorrência que é necessária para o desenvolvimento e crescimento da economia. “Há uma exagerada preferência pela contratação simplificada que acaba por distorcer a sã concorrência que caracteriza uma economia de mercado”, disse.
Para o também docente universitário não é possível imaginar um governo que quer pensar no longo prazo, fazer uso recorrente de procedimentos supostamente emergenciais. “É preciso questionar a urgência de certos contratos por forma a que os agentes económicos tenham as mesmas igualdades de circunstâncias”, defendeu.
A contratação simplificada é também apontada como a mais permissível a irregularidades, alerta o economista Carlos Padre. “Neste tipo de contratos os gestores podem contratar uma empresa em que tenham interesses porque a lei é permissiva. É só olhar para quem são os que fazem a maioria das empreitadas públicas”, disse o economista.
Expansão