A
Justiça angolana está em estado de emergência silenciosa. Tribunais a funcionar em edifícios improvisados, juízes sem gabinetes, processos empilhados em casas de banho e audiências realizadas em quartéis de bombeiros.
O retrato dramático foi traçado pelo presidente da Associação dos Juízes de Angola (AJA), Esmael Diogo da Silva (foto), em entrevista explosiva ao Jornal Expansão, onde denuncia: “A Justiça no País não é mais do que um parente pobre, um órgão subalterno.”
Enquanto o Governo proclama reformas e promessas de modernização, a realidade nos tribunais revela uma crise institucional profunda. Em Luanda, epicentro da disfunção, mais de 25 mil processos aguardam julgamento apenas na jurisdição de família, e há juízes a partilhar salas de audiência como se fossem turnos num hospital de guerra.
“Alguns nem gabinete têm. Trabalham na mesma sala onde se julga, mas precisam de sair quando outro magistrado entra para audiência”, lamenta Esmael.
Em Malanje, o cenário beira o surreal: o tribunal provincial funciona numa casa de passagem, onde as audiências ocorrem nos quartos, e os processos repousam em instalações sanitárias, vulneráveis a inundações. E mesmo com uma obra de tribunal erguida de raiz no local, a construção está abandonada há mais de cinco anos.
Apesar de sucessivas comissões de reforma desde 2003 — seis até hoje — pouco ou nada mudou. A nova Comissão da Reforma da Justiça e do Direito, instituída em Abril com um mandato de 36 meses, enfrenta o descrédito de uma magistratura cansada e de uma sociedade descrente.
“Sem uma política clara de recursos humanos, digitalização e infraestruturas adequadas, qualquer reforma será cosmética”, alerta o presidente da AJA.
Potencial lesivo do actual estado da justiça tem impacto reputacional para o país
A situação é tão grave que já ameaça a reputação internacional do país. O relatório mais recente do GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional) inclui o sistema judicial entre os três factores críticos que podem levar Angola à famigerada “lista cinzenta” — um selo de risco que afugenta o investimento estrangeiro e mancha a imagem do país no cenário global.
As denúncias de corrupção, venda de sentenças, tráfico de influências e ingerência política reforçam a percepção de um sistema capturado, onde o cidadão comum raramente encontra justiça e o investidor estrangeiro vê instabilidade e opacidade.
“A reforma só fará sentido se garantir acesso ao Direito e resolver o problema da morosidade. Queremos tribunais que sirvam as pessoas, não que as adiem por anos”, sentencia Esmael dos Santos. A pergunta que fica é: até quando Angola tolerará um sistema judicial onde a balança da justiça está quebrada — e ninguém sabe se será reparada?
Por Redacção CD | Fonte: Jornal Expansão