O antigo vice-ministro dos Transportes, Hélder Presa, faz uma análise à performance da economia angolana nos últimos tempos e deixa uma série de reparos sobre liderança e processos de tomada de decisão no País. Agora reformado, manifesta-se também contrário à ideia do novo aeroporto e da privatização da TAAG.
O Governo decidiu que o sector da aviação é estratégico para o País e multiplicou, nos últimos anos, os investimentos, especialmente com o novo aeroporto internacional e a reestruturação da TAAG. Ao mesmo tempo, o País continua a ter dificuldades para diversificar a economia. A aviação pode ter um peso maior na economia?
Eu acho que durante estes anos todos, muitos de nós avaliámos a indústria de transporte olhando sobretudo para o lado emocional, esquecendo o lado racional. Esperar que a indústria de transporte aéreo tenha influência directa sobre a economia é uma utopia. Não acredito.
Porquê?
Porque é uma actividade que envolve custos bastante elevados. O benefício económico também pode ser avaliado mas, se olharmos só para o lado financeiro, Angola não tem estrutura económica, nem volume de mercado, nem rendimento per capita, para a aviação ser financeiramente viável e estimular grandes mudanças. Basta ver o que aconteceu nos últimos anos: tivemos várias empresas de aviação, em Angola, que morreram com enormes dívidas acumuladas. É preciso que analisemos isto sem paixões. E também podemos extrapolar esta nossa análise para o resto de África. Quantos países têm companhias aéreas nacionais? Uma meia dúzia.
Algumas empresas de bandeira africanas também faliram nos últimos anos.
Actualmente, além da TAAG, apenas existem companhias de bandeira na África do norte (Marrocos, Argélia, Egipto) e depois no Quénia, Etiópia e África do Sul.
O Quénia e a África do Sul anunciaram um processo de fusão que parece estagnado porque as duas companhias estão em enormes dificuldades.
E Angola não pode ser um oásis no meio de tudo isto. O nosso destino será provavelmente o mesmo dos Camarões, da Zâmbia, onde vão aparecer alguns operadores domésticos que aproveitam nichos de mercado aqui e acolá. Depois temos as grandes operadoras a fazer as ligações internacionais e ficamos por aí mesmo. A não ser que o Estado tenha condições para bancar os prejuízos de uma companhia.
Mas é o que já tem acontecido com a TAAG, embora a capacidade do Estado seja cada vez menor.
Se o Estado não tiver essa capacidade, tenho sérias dúvidas sobre o futuro da TAAG. Existem pessoas que têm uma visão diferente da minha, mas tenho sérias dúvidas que tenhamos condições para manter um operador público de transporte aéreo.
O que impede a TAAG de se desenvolver?
A aviação é uma indústria de capital intensivo, exige muito dinheiro só para iniciar as operações. São milhões de dólares. Depois, as margens no transporte aéreo são bastante reduzidas, quando existem. Os lucros são marginais. É ainda uma indústria bastante influenciada pela economia em geral: hotelaria, estabilidade política, capacidade das populações para aceder ao transporte aéreo, que é relativamente caro, e a própria atractividade do país. Estamos a falar não só do tráfego doméstico, mas também do internacional. E estamos a falar apenas da companhia aérea. Ainda temos de olhar para os aeroportos.
Nos aeroportos, a análise deve centrar-se em que variáveis?
Manter um aeroporto é caro. Para que seja viável, necessita de um volume de tráfego relativamente grande. Se assim não for, alguém tem de subsidiar as operações do aeroporto, sob pena dos serviços baixarem de qualidade. Nós vemos isto no aeroporto do Luau ou em Ndalatando, asneiras sucessivas que continuam a ser cometidas. Normalmente, os decisores esquecem os pareceres que pediram e tomam as decisões em função daquilo que lhes passa pela cabeça.
Também sentiu isso enquanto esteve no Governo ou na regulação da aviação civil?
Sempre. Há quarenta anos que estou na aviação e há quarenta anos que sinto isso. Vamos agora construir um aeroporto em Mbanza Kongo.
Também não faz sentido?
Não é só o aeroporto em si, é a estrutura que vai ter. Dizem que Mbanza Kongo vai ter capacidade para receber aviões tipo Boeing 777. A pergunta é: qual é a probabilidade de, nos próximos 20 anos, aquele aeroporto receber 300 passageiros de Paris, Frankfurt ou de onde quer que seja? “Ah porque é património mundial da humanidade, vamos ter turistas, então vamos fazer um aeroporto como deve ser”, dizem. E estamos a fazer. E depois?
Fazer é fácil, operar é que é mais complicado.
Fizemos isso em Ndalatando, no Luau e estamos a fazer agora no novo aeroporto internacional de Luanda. Estamos a fazer igual.
Como se vai rentabilizar um aeroporto de 15 milhões de passageiros quando, actualmente, Luanda não recebe nem 1 milhão?
Não temos hipóteses, o novo aeroporto vai ser um sumidouro de receitas do Estado nos próximos 20 anos. Mais: até hoje não está decidido o que fazer com o aeroporto antigo, ainda estão a pensar se fecham aquilo ou se fica em operação, mas apenas para alguns voos. Não temos condições de manter nem um aeroporto, quanto mais dois.
Expansão