A procura por serviços de correios, para o envio de mercadorias de pequeno porte provenientes do exterior do país, tem vindo a aumentar em Angola desde que se iniciaram as restrições a nível das fronteiras nacionais, por causa da Covid-19.
Desde Março de 2020, altura do começo da pandemia no país, estes serviços têm sido uma das principais “portas de entrada” de encomendas adquiridas no estrangeiro, mas que, por razões alheias, nem sempre chegam intactas às mãos dos destinatários.
Nos últimos 14 meses (Março de 2020 a Abril de 2021), por exemplo, tornou-se comum ouvir-se, dos utentes, relatos de violação, extravio e roubo de mercadorias de pequeno porte provenientes, particularmente, de Portugal e Singapura.
Trata-se de um fenómeno ainda com números moderados, que tende a crescer de forma paulatina, deixando vários usuários privados, por muito tempo, das suas encomendas, essencialmente telefones, computadores portáteis, tabletes e perfumes.
A perda de mercadorias nestas condições é um problema recorrente em algumas cidades de países lusófonos, como o Rio de Janeiro, Brasil, onde se estima que a cada sete minutos uma encomenda era extraviada até 2018, conforme dados da imprensa local.
No caso de Angola, os números ainda não assustam, mas tendem a aumentar desde que surgiu a pandemia da Covid-19, em Março de 2020, período em que se registou maior fluxo de compra de produtos on-line e envio de mercadorias, através dos correios.
Só nos últimos seis meses, de acordo com dados oficiais, 192 reclamações de violação, extravio e roubo de encomendas, saídas de Portugal, chegaram aos registos dos Correios de Angola, números que já deixam sob alerta as autoridades do sector.
Em concreto, houve, neste período, uma média de 32 reclamações/mês, oito por semana e uma por dia, segundo a direcção da empresa, que diz conhecer o problema e já estar em curso um plano para a resolução dos casos e penalização de eventuais infractores.
Segundo a direcção dos Correios de Angola, grande parte das violações de mercadorias dá-se na fase de transporte dos armazéns dos aeroportos (Portugal), ou seja, muito antes da chegada dos produtos aos pontos de desembarque (Correios).
Na base deste problema, diz, concorrem vários factores, fundamentalmente a facilidade de adulteração dos materiais de empacotamento, o que permite aos funcionários das empresas responsáveis pelo embarque das encomendas nos aviões mal intencionados adulterar as embalagens e trocar os conteúdos originais.
De acordo com Joaquim Madrugas, director de Operações Postais dos Correios de Angola, as embalagens enviadas pelos Correios de Portugal (CTT’s) são tecnicamente frágeis, o que facilita eventuais acções de violação das mercadorias.
“O nosso maior problema, agora, é com Portugal. Temos recebido reclamações de roubos e extravio de mercadorias, devido o material usado por Portugal, que, indirectamente, facilita os malfeitores a mexerem nas encomendas”, argumenta.
A ANGOP constatou, recentemente, durante uma visita às instalações dos Correios de Angola, no quadro da reportagem sobre o extravio e violação de mercadorias, várias encomendas saídas de Portugal com embalagens violadas, ou seja, abertas, machucadas, com produtos trocados e vandalizados, acções passíveis de indemnização.
Trata-se de mercadorias que passam por diversos processos de vistoria, quer em Luanda, quer em solo português, antes de chegarem às mãos dos destinatários. Entretanto, apesar do rigor na fiscalização, os casos não param de ocorrer.
Para evitar situações do género, sem mãos a medir e sem saber o conteúdo das embalagens, técnicos dos Correios de Angola executam diariamente, com a devida precisão, o processo de confirmação da chegada das encomendas.
Tudo é feito de forma detalhada, primeiro por meio da leitura do código de barras, que incluiu, para além da origem, as quantidades expedidas na embalagem.
É a partir do processo de leitura do código de barras que se fica a saber se a quantidade encontrada nos pacotes corresponde às mencionadas nos protocolos, para, a posterior, serem catalogadas e colocadas ao dispor da Administração Geral Tributária.
À AGT cabe fazer a triagem, antes de se entregar a mercadoria aos destinatários.
A ANGOP constatou, no terreno, que em caso de extravio, violação ou roubo de encomendas, é enviado um relatório ao ponto de origem, como notificação para o início de um processo de averiguação e aviso da pessoa que tenha enviado a encomenda.
Entretanto, apesar de todo o esquema montado na fiscalização, há quem consiga “driblar” as câmaras de segurança e lançar mãos às mercadorias, deixando centenas de utentes no prejuízo.
Redução de voos aumenta volume de carga
Os “assaltos” às mercadorias ocorrem numa altura em que, com a redução de voos, por conta da pandemia, Portugal se tornou uma das janelas para a entrega de mercadorias compradas em vários pontos do Mundo, com destino a Angola.
Actualmente, existe enorme sobrecarga nos armazéns em Portugal, o que, segundo especialistas, permite que algumas mercadorias possam ser violadas.
Dados apontam que Angola recebe, por voo, cerca de dois mil quilos de mercadorias provenientes de Portugal e regista mensalmente de seis a oito reclamações de extravio, troca e roubo de encomendas, como telefones celulares, tabletes, perfumes e sapatos.
Na prática, as mercadorias chegam ao Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro e vão até aos armazéns dos Correios de Angola, onde se procede a triagem entre mercadorias sujeitas ao pagamento das taxas aduaneiras e mercadorias isentas.
Depois de tudo revisto, são separadas e postas à disposição dos receptores.
Num passado recente, o mesmo conflito existiu entre Singapura e Angola, conforme testemunho de Orlando de Oliveira, que há um ano aguarda por uma mercadoria.
“Encomendei equipamentos electrónicos de Singapura e até agora não recebo. Já fiz a reclamação, Singapura diz que enviou, enquanto os Correios de Angola dizem que não receberam. Esse litígio já dura cerca de um ano”, desabafa.
A propósito deste particular, o director de Operações Postais dos Correios de Angola, Joaquim Madrugas, explica que este tipo de casos foi resolvido a 90 por cento, devido ao método de envio das mercadorias entre os dois países.
“Singapura passou a coser as embalagens das encomendas, para evitar esses dissabores, e esses casos diminuíram muito”, afirma o responsável.
Conquanto, o utente Orlando de Oliveira afirma que o mesmo problema se regista com Portugal, relatando que aguarda até agora por um telemóvel, enviado pela esposa. “Até agora não chegou e ninguém sabe dizer, ao certo, o que aconteceu com o equipamento”.
Por sua vez, Margareth Alexandre diz ter um caso semelhante. A mesma recebeu uma encomenda vinda de Portugal, mas teve um susto quando abriu o pacote e notou que a embalagem, supostamente com um telemóvel, estava “literalmente” vazia.
“Foi terrível. Eu estava feliz porque teria um telemóvel novo, mas quase caí quando abri a caixa, apenas com algum lixo dentro, para fazer peso. Fiz a reclamação e estou à espera que o meu telemóvel seja devolvido”, testemunha.
Para pôr cobro à violação das encomendas provenientes de Portugal, os Correios de Angola procuram, a todo custo, ver implementado o mesmo processo de embalagem de mercadorias usado por Singapura, de acordo com a direcção da empresa.
Entretanto, o director da Unidade de Negócios Expresso, Joaquim Figueiredo, avança que o serviço Express também não escapa à onda de violações e roubos.
“Já tivemos casos de violação, mas se for detectado que ocorreram nas nossas instalações é, imediatamente, accionado o Serviço de Investigação Criminal, para se encontrar os culpados e o cliente ser ressarcido”, esclarece o responsável.
“Quando constatamos que a mercadoria não foi violada em Angola, informamos à origem sobre o sucedido, com o envio de um boletim de informação, em que constam os detalhes do incidente. Essa reclamação é inserida imediatamente no sistema electrónico, para que a origem proceda de acordo”, sublinha a fonte.
No entanto, nem sempre o processo corre ao gosto do lesado, como ocorreu com Amélia Jandira, que diz ter enviado uma mercadoria pelo Correio Express de Portugal e, até agora, nada recebeu. O caso continua sem solução à vista.
“Mandei um telemóvel de Portugal para Angola há seis meses e até hoje ninguém sabe aonde foi parar. Já reclamei em Angola e em Portugal e até agora nada”, denuncia.
Sobre isso, o director de Operações Postais dos Correios de Angola, Joaquim Madrugas, explica que, quando se detecta a violação da mercadoria fora de Angola, o processo é da responsabilidade da origem e nunca das autoridades angolanas.
O responsável nega a existência de qualquer rede organizada em Angola que se ocupa da violação de mercadorias de pequeno porte, chegadas ao país através dos correios, afirmando, no entanto, que medidas serão tomadas para inibir estas más práticas.
A ANGOP sabe que várias denúncias estão a ser investigadas pelos Serviços de Investigação Criminal, em Luanda, em processos que estão sob segredo de justiça.
Portugal nega responsabilidades
Conquanto, se os Correios de Angola descartam responsabilidades na violação de grande parte das mercadorias trazidas de Portugal, as autoridades daquele país europeu afirmam, por sua vez, que a situação por lá também não é alarmante.
Entretanto, os Correios de Portugal (CTT) confirmam um aumento de reclamações sobre o extravio de objectos nos fluxos Portugal-Angola recebidas no apoio a clientes, alinhado, também, com as variações de tráfego.
Conforme as autoridades do sector em Portugal, este aumento de reclamações, sem números concretos, verificou-se desde o início do período da pandemia da Covid-19 (Março de 2020) e dizem, sobretudo, respeito a objectos não recepcionados.
Os dados disponibilizados à ANGOP, a partir de Lisboa, referem que no fluxo Angola-Portugal não se registou variação do número de reclamações, até ao momento.
Na maioria das reclamações recebidas do fluxo Portugal-Angola, a conclusão da análise efectuada pelos CTT, em conjunto com os transportadores locais de mercadorias, é de que “não foram detectadas falhas nos objectos enviados”.
Entretanto, não é bem isso que os utentes ouvidos pela nossa equipa em Lisboa atestam.
Segundo Inglês Sebastião, nunca antes havia procurado os CTT para envio de alguma encomenda com destino Luanda, optando por operadores privados que lhe garantam maior segurança até à recepção ao destinatário, embora seja mais caro.
Conquanto, diante do contexto de pandemia e de restrições, impostas em Portugal, viu-se na necessidade de fazer chegar um produto a um familiar em Luanda, via CTT.
“Posto lá, afirmaram que houve alteração nos serviços. Com isso, antes tinha que fazer o registo no site e só depois tinha de seguir à loja. Fiz conforme o recomendado, no dia 14 de Janeiro, e deixei o artigo para envio”, conta.
Quando tudo parecia bem encaminhado, para a sua surpresa o código de rastreio não localizava a mercadoria, tanto em Portugal, quanto em Angola.
A 28 de Janeiro, não havendo, até então, êxito no rastreamento, regressou à loja dos CTT, onde lhe foi informado que a mercadoria fora entregue a 22 de Janeiro.
“O sistema dos CTT não localizava o volume. No dia 29 de Janeiro, quando foi-se fazer o levantamento do volume na estação dos correios de Cacuaco, abriu-se o artigo e, para surpresa e total desânimo, a expedição havia sido violada, trocaram o equipamento novo por um totalmente antigo, partido e sem proveito algum”, desabafa.
Por sua vez, Aguinalda de Almeida teve a sorte de o seu produto aparecer, depois de duas semanas, embora tenha sido necessário estar todos os dias nos CTT de Portugal, para que o problema fosse resolvido o mais breve possível.
A estudante angolana apela aos responsáveis dos CTT, no sentido de garantirem um melhor serviço aos cidadãos, tendo em conta que o Mundo atravessa um momento difícil que impossibilita as pessoas de viajarem, sendo os correios a alternativa.
Os responsáveis do CTT informaram à nossa equipa que acompanham a situação, mas reitera que não foram “detectados indícios de irregularidades da sua responsabilidade”.
Entretanto, a jurista Maria João Ribeiro, da Associação Para Defesa do Consumidor (DECO), adianta que, no ano 2020, os seus canais de atendimento receberam mil e 674 reclamações sobre o Sector Postal. No primeiro trimestre de 2021 já fora 420.
Conforme a jurista, as razões apontadas centram-se na “falta de organização do serviço de distribuição do CTT – Correios de Portugal, que se reflectem em atrasos no encaminhamento, tanto a nível de correspondência, quanto de encomendas postais”.
As principais reclamações são os grandes atrasos no envio e recepção de correio registado e azul, correio transfronteiriço intracomunitário e de encomendas.
Maria Ribeiro acrescenta que existem, ainda, situações em que o correio é entregue em moradas erradas, não obstante o endereço estar correcto, sublinhando que outra causa das reclamações dos consumidores é o extravio de encomendas.
A jurista explica que nos envios nacionais, o consumidor tem direito à indemnização em caso de extravio, furto ou dano de correspondências e encomendas registadas ou com valor declarado, assim como no correio internacional registado.
Porém, diz, quando reclamado junto dos CCT, são grandes as dificuldades impostas aos consumidores para receber indemnizações, pela morosidade de resposta do operador.
Nas estações e postos de correio, a demora no atendimento é o maior motivo de insatisfação invocado. No entanto, nas estações, destacam-se pela positiva a diversidade do serviço, as condições das instalações e o comportamento dos funcionários públicos.
Diante disso, a jurista da DECO aconselha os consumidores a reclamarem junto dos CTT, podendo utilizar o livro de reclamações electrónico ou em suporte papel. Caso não consigam resolver a questão junto da entidade, podem recorrer à associação, que fica responsável pela mediação com os CTT até o processo ser concluído.
Os serviços postais são um serviço público essencial, tendo a DECO, desde sempre, pugnado pela defesa da garantia, em todo o país, de um serviço postal universal sustentável e de alta qualidade, para todos os utilizadores e a preços acessíveis.
Os últimos estudos que realizados por esse órgão sobre a demora no encaminhamento postal e a fiabilidade dos serviços mostram um desempenho dos CTT abaixo dos objectivos, colocando em evidência a existência de grandes assimetrias regionais na qualidade do serviço, em particular na demora do encaminhamento postal.
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