A Índia representa hoje mais de 40% do comércio mundial de arroz, número que ilustra bem o impacto que a proibição de exportar arroz, à excepção do basmati, terá em muitos países africanos. A “grande escassez deste alimento básico” põe em risco a segurança alimentar e os meios de subsistência de muitas famílias, alertam analistas.
A crise do arroz, que atirou os preços deste cereal para máximos de 15 anos, agravou-se no último domingo com novas restrições impostas pela Índia, o maior exportador mundial. Um desafio para África Subsariana, a região com mais importações de arroz do mundo, com quase um terço do total global, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA, pelo peso crescente que o grão foi ganhando na dieta alimentar dos seus países.
A 20 de Julho, a Índia proibiu a venda ao exterior de todas as variedades de arroz, à excepção do basmati, para travar a subida de preços no mercado interno. Um mês depois, o governo de Narendra Modi endureceu as medidas e estabeleceu um preço mínimo para as exportações de basmati, fixado em 1.200 USD a tonelada. Nova Deli impôs ainda um imposto de 20% sobre as exportações de arroz vaporizado, com o objectivo de apertar mais a saída do produto e acalmar os mercados internos, em convulsão com a perspectiva de falta de arroz no prato.
A decisão do maior exportador mundial de arroz, responsável por cerca de 40% do comércio mundial do cereal, criou pânico em vários mercados, como relatou a BBC em Julho. Imagens de vídeo mostram prateleiras vazias em mercearias nos EUA e no Canadá e uma corrida desenfreada aos supermercados em muitos pontos do globo.
Os preços dispararam nos mercados internacionais, podendo aumentar até 15% este ano, segundo previsão óptimista de Pierre-Olivier Gourinchas, director de investigação do Fundo Monetário Internacional (FMI), tendo em conta os preços a que já chegam ao consumidor final. Os receios de um aumento da inflação alimentar levaram o economista-chefe do FMI a apelar a Nova Deli para acabar com a proibição. Em vão.
Tempestade perfeita
As restrições impostas pela Índia, que em 2022 exportou 22,3 milhões de toneladas das 129,5 milhões de toneladas que produziu, retiram quase metade das exportações habituais de arroz do país este ano, segundo estimativa do Conselho Indiano de Investigação sobre Relações Económicas Internacionais, e só vêm agravar a crise do arroz.
Os preços globais do cereal têm vindo a aumentar constantemente desde o início de 2022 e não se prevê que parem. “O mau tempo no Sul da Ásia – chuvas de monções irregulares na Índia e inundações no Paquistão – afectou o abastecimento e os custos da cultura do arroz subiram devido à subida dos preços dos fertilizantes”, relata a BBC. A “tempestade perfeita” quando muitos “países se debatem com dívidas elevadas, inflação alimentar e desvalorização das moedas”, sublinhou Arif Husain, economista-chefe do Programa Mundial Alimentar, efeito de duas crises globais consecutivas – pandemia da Covid-19 e guerra na Ucrânia – que exacerbaram os efeitos da crise climática.
“Os preços do arroz cultivado no Quénia dispararam há algum tempo por causa do aumento dos preços dos fertilizantes e de uma seca que dura há anos no Corno de África e que reduziu a produção. O arroz barato importado da Índia preencheu a lacuna, alimentando muitas das centenas de milhares de habitantes do bairro de lata de Kibera, em Nairobi, que sobrevivem com menos de 2 USD por dia”, descrevem Aniruddha Ghosal e Evelyne Musambi, numa reportagem da Associated Press.
Desde Junho, o saco do arroz de 25 Kg no Quénia aumentou cerca de um quinto, passando do equivalente a 14 USD (11.549 Kz) para 18 USD (14.849 Kz).
África produz 23,3 milhões de toneladas de arroz por ano, cinco vezes menos do que o segundo maior produtor mundial, a Índia (129,5 milhões de toneladas), e seis vezes menos do que o maior produtor mundial, a China (149 milhões de toneladas), segundo dados da Statista. Nigéria, com 8,3 milhões de toneladas, é o principal produtor africano e Egipto o segundo, com 4,8 milhões de toneladas.
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