A Refinaria de Cabinda deverá, finalmente, arrancar neste dia 1 de Setembro. O anúncio foi feito pelo Presidente da República, João Lourenço, durante a abertura da 5.ª Feira dos Municípios e Cidades de Angola, realizada no início de Agosto, em Benguela.
Trata-se da oitava data apontada desde 2021 para o início das operações da refinaria, num processo que ficou marcado por sucessivos adiamentos e falta de clareza institucional. A primeira fase da obra chegou a ter conclusão prevista para o final de 2021, mas foi depois reprogramada para o primeiro trimestre de 2022, posteriormente para Junho e Dezembro do mesmo ano, seguindo-se novas datas: Dezembro de 2023, final de 2024, Junho de 2025 — e, agora, 1 de Setembro, tida como a definitiva.
Histórico de um projecto controverso
O projecto da refinaria foi adjudicado em 2017, através de um concurso internacional que atribuiu a execução à empresa United Shine, ligada ao controverso empresário russo-israelita Arcadi Gaydamak. No entanto, em 2019, o concurso foi anulado por incumprimento dos requisitos fundamentais, nomeadamente o plano de financiamento, a capacidade de capitalização e a documentação técnica.
A concessão do projecto passou então para a Gemcorp Capital, uma holding com sede em Malta, que detém 90% do capital do empreendimento, enquanto os restantes 10% pertencem à Sonangol. Curiosamente, foi a Sonangol quem assegurou o arranque prático das obras, ao pagar a primeira tranche ao empreiteiro norte-americano responsável pelos módulos iniciais — facto revelado em 2023 pelo PCA da Sonangol, Gaspar Martins, sem detalhar os valores envolvidos.
Na prática, até Março de 2023, a Gemcorp não havia conseguido assegurar financiamento próprio, o que levanta questões sobre o modelo de parceria e os riscos públicos assumidos.
Contexto estratégico e relevância nacional
A construção da refinaria enquadra-se na estratégia governamental de reduzir a dependência do país em relação à importação de combustíveis, representando um eixo importante do Plano Nacional de Desenvolvimento 2023–2027, no domínio da industrialização e substituição competitiva das importações.
O projecto é particularmente simbólico por localizar-se em Cabinda, enclave rico em petróleo mas historicamente excluído da industrialização transformadora.
ANÁLISE EDITORIAL:
Entre promessas e credibilidade governamental
A fixação da data de arranque da Refinaria de Cabinda surge num momento crítico para a imagem do Executivo e do Presidente da República, já fortemente desgastada por expectativas frustradas e a erosão da confiança pública. O histórico de promessas não cumpridas enfraqueceu o capital político do Governo junto das populações, sobretudo em zonas petrolíferas onde se esperam benefícios directos da indústria extractiva.
Por outro lado, o modelo de parceria com a Gemcorp continua a suscitar dúvidas quanto à sua transparência, capacidade financeira e real protagonismo na execução do projecto, sendo notório que o capital estatal (Sonangol) acabou por viabilizar financeiramente o arranque.
A eventual inauguração efectiva a 1 de Setembro será, portanto, um teste político e simbólico para o regime: não apenas pela importância económica da refinaria, mas sobretudo pela necessidade de reconstruir a confiança nos compromissos presidenciais. O sucesso operacional do empreendimento, se confirmado, poderá reconfigurar a narrativa de falhas anteriores — mas, até lá, paira sobre o Governo o risco de mais um “anúncio em vão”.