À boleia de um estudo do Banco Mundial (!) que antevia a necessidade de um novo aeroporto para Luanda e de uma análise de viabilidade financeira da norte-americana Penkins & Will de 2005 que apontava um custo de construção de um novo aeroporto na ordem dos 250 milhões de dólares, os decisores políticos Angolanos decidiram avançar com uma obra faraónica.
Passaram quase 20 anos. Houve derrapagens de prazos, de orçamentos e mudanças profundas na aviação que tornam este “novo” aeroporto de Luanda (NAIL) desnecessário e desactualizado.
Sempre que me despeço do 7.º maior país de África, descolando da sua única cidade com aeroportos certificados para voos internacionais, o meu sono neste voo noturno é perturbado por um terrível sentimento de falta. Falta tanta coisa: saneamento básico, tratamento de resíduos, estradas sem buracos, transportes públicos, água, eletricidade, segurança, escolas, tribunais, hospitais e serviços públicos que funcionem. Falta comida, falta poder de compra, falta futuro e falta esperança.
Apesar de reconhecer que o terminal do Aeroporto 4 de Fevereiro é o espelho do estado do próprio país, também reconheço que poderia ser muito melhor e com pouco esforço. Já contando com a “gasosa”, 100 milhões de dólares seria mais do que suficiente para renovar e unificar os terminais do Aeroporto 4 de Fevereiro e ainda sobraria dinheiro para colocar iluminação noturna nas pistas do Soyo e de Saurimo e para certificar Catumbela, Lubango e Namibe para voos internacionais, bem como criar um programa de incentivos para a abertura de voos regionais e interprovinciais que facilitassem o turismo “à porta de casa”, as reuniões de negócio e as visitas de familiares e amigos. Unindo Angola, no verdadeiro sentido do termo. Mas não!
A desatualização começa logo pelas suas duas pistas, ambas construídas para acolher os maiores aviões… daquele tempo: o Boeing 747, que a TAAG operou até 2010 e que deixou de ser fabricado, e o Airbus A380, muito promissor em 2007 quando começou a voar, mas cuja produção entretanto terminou com altos prejuízos e cuja frota ficou reduzida a praticamente uma única companhia até ao seu previsível desaparecimento. Nenhum destes grandes aviões tem sucessores, nem estão a ser feitos estudos nesse sentido. A própria TAAG optou por aviões menores e mais eficientes.
O NAIL é igualmente desnecessário – prova disso, no dia seguinte à sua inauguração nada mudou. Os aviões de passageiros (e a carga que levam no seu porão) continuaram a aterrar no antigo aeroporto. E os voos domésticos nunca mudarão para um aeroporto a 3 horas do centro da cidade a não ser que se queira tornar o acesso às províncias ainda mais difícil, mais caro e mais ineficiente. Adormeço a pensar que desconheço o dia em que o NAIL será inaugurado de verdade e se nesse dia esta infraestrutura inaugurada ainda poderá ser utilizada. Uma coisa é certa: no dia 10 de Novembro não se inaugurou coisa nenhuma e é impossível imaginar uma única empresa concessionária profissional que aceite gerir este colosso de prejuízos sem contrapartidas negociadas ao mais alto nível entre Estados.
Sete horas de voo depois, acordo numa cidade onde há mais de 50 anos também se debate a construção de um NAIL. Não consigo livrar-me deste pesadelo neo-colonialista que desfila à minha frente: Lisboa também quer ser um “hub” entre Europa, África e Américas. Será então este o denominador comum dos países “pobres” e sem criatividade? Sonham todos em ter um aeroporto onde os passageiros trocam de avião porque foi o bilhete mais barato que encontraram e seguem viagem para um outro destino qualquer onde vão realmente gastar o seu dinheiro, celebrar negócios ou fazer turismo? Ou sonham que estes passageiros pensem: “que aeroporto tão lindo e desenvolvido, da próxima vez-que-nunca- -acontecerá, fico aqui uns dias”?
Vamos acordar para a realidade: o animal político precisa tanto destas empresas e destas empreitadas públicas como pão para a boca. Só assim se desviam fundos, se trocam favores e se facilita a corrupção. E, sim, tudo isto começou com um relatório do Banco Mundial, a maior e mais conhecida instituição financeira de desenvolvimento do mundo cuja missão é erradicar a pobreza extrema e construir uma prosperidade compartilhada. Parabéns pelo resultado!
Expansão