O Governo angolano decidiu adiar para 2028 o processo de eliminação dos subsídios aos combustíveis, empurrando para o Executivo que sair das eleições gerais de 2027 a responsabilidade de concluir a controversa reforma.
A informação consta do comunicado oficial do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado na sequência da avaliação técnica ao desempenho económico de Angola no âmbito do pós-programa de financiamento.
“Dada a diminuição das receitas do petróleo, os directores do FMI destacaram a necessidade de racionalizar as despesas para preservar o espaço fiscal e conter o endividamento. Observando o adiamento para 2028, enfatizaram a importância de avançar na reforma dos subsídios aos combustíveis, acompanhada de medidas de protecção social e de uma estratégia de comunicação robusta”, refere o documento.
Apesar do recuo no calendário, fontes próximas ao processo garantem que a retirada dos subsídios continuará de forma gradual, mas com ritmo mais espaçado, divergindo do compromisso assumido em Fevereiro deste ano, quando o Executivo prometera ao FMI concluir o processo até Dezembro de 2024.
A remoção dos subsídios tem sido uma recomendação constante do FMI e do Banco Mundial, por considerar-se que beneficia desproporcionalmente os mais ricos, consome valiosos recursos públicos e desincentiva a transição energética.
Impacto real: subida de preços e mais pobres em risco
A decisão surge num contexto de fortes reajustes de preços em serviços essenciais, com facturas de electricidade a subirem 50%, água em 30%, e o gasóleo a passar de 300 para 400 Kz/litro. Isso já se reflectiu directamente nas tarifas dos transportes públicos:
- Candongueiros: 200 Kz → 300 Kz por corrida
- Bilhetes de autocarro: 150 Kz → 200 Kz
Segundo uma projecção do Banco Mundial, os dois últimos aumentos do gasóleo empurraram cerca de 94.200 angolanos para a pobreza, número que poderá crescer ainda mais com os cortes programados para os próximos anos.
Análise Editorial: um recuo estratégico ou cálculo político?
A decisão de adiar a remoção total dos subsídios para 2028 levanta sérias interrogações sobre a coerência da política fiscal do Executivo, sobretudo num momento em que o país enfrenta restrições orçamentais, aumento da dívida pública e pressão inflacionária sobre os mais pobres.
O adiamento para além do ciclo político actual sugere uma manobra de contenção política, num cenário pré-eleitoral onde mexer no “bolso do povo” pode sair caro. No entanto, isso coloca em xeque a credibilidade do Governo junto dos seus parceiros internacionais e empurra o problema para a frente, em vez de enfrentá-lo com coragem e soluções compensatórias reais.
Por outro lado, o custo económico de manter os subsídios — sobretudo quando direccionados para combustíveis fósseis — é insustentável a médio prazo e penaliza investimentos em sectores vitais como educação, saúde e infra-estruturas.
Faltam transparência, narrativa clara e políticas de compensação social efectivas para proteger as famílias mais vulneráveis. A ausência de uma estratégia de comunicação sólida, como também sublinha o FMI, pode transformar esta transição energética num processo traumático e mal compreendido.