O Fundo Monetário Internacional voltou a disparar os alertas: Angola está a sustentar as suas finanças públicas com dívidas cada vez mais curtas e mais caras. Com a queda nas receitas petrolíferas, o Executivo recorre a empréstimos com juros elevadíssimos para tapar buracos no Orçamento, alimentando um ciclo vicioso que ameaça a estabilidade fiscal e a confiança dos investidores.
A redução da produção e do preço do petróleo provocou uma degradação acentuada do quadro macroeconómico angolano e levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a rever em baixa o crescimento económico do País para 2024. Ao mesmo tempo, o défice fiscal foi duplicado, fixando-se agora em 2,8% do PIB, equivalente a cerca de 3,2 mil milhões USD.
No comunicado que resume a visita técnica ao País no âmbito do pós-programa de financiamento, o FMI emitiu 17 recomendações-chave, entre elas, um aviso claro sobre a excessiva dependência de financiamentos de curto prazo e com juros elevados.
O alerta surge na sequência de operações como a do final de 2024, quando o Governo contraiu um empréstimo de 1.000 milhões USD junto do JP Morgan a juros de quase 10%, cedendo garantias no valor de cerca de o dobro da dívida, através de Eurobonds contingentes.
Este tipo de financiamento, refere o FMI, acentua a fragilidade das finanças públicas e coloca o País num ciclo vicioso de dívida para pagar dívida. Para 2025, o serviço da dívida externa está estimado em 10,5 mil milhões USD, valor próximo da totalidade da receita fiscal petrolífera prevista.
Apesar disso, as receitas correntes no primeiro semestre do ano executaram apenas 38% do esperado, e as receitas com financiamento externo apenas 29%, forçando o recurso contínuo ao endividamento de emergência.
O comunicado reforça:
“Os directores incentivaram esforços contínuos para facilitar o pagamento da dívida e apelaram à contenção de despesas, mobilização de financiamento a baixo custo e reformas estruturais que favoreçam o desenvolvimento sustentável.”
Contudo, o FMI reconhece que a capacidade de reembolso de Angola é “adequada, mas sujeita a riscos crescentes”, sobretudo devido à alta dependência do petróleo e à estrutura informal da economia nacional.
CD/Expansão
Análise Editorial
A leitura do comunicado do FMI é clara: o Governo está a caminhar sobre gelo fino. Com a incapacidade de gerar receitas suficientes e o apetite crescente por financiamentos de curto prazo com juros exorbitantes, Angola arrisca-se a mergulhar numa crise de solvência disfarçada de estabilidade formal.
A escolha por não aderir a um novo programa do FMI, que poderia oferecer condições de financiamento mais favoráveis, é política: reformas estruturais exigidas seriam impopulares — especialmente em vésperas de um ciclo eleitoral marcado pelo habitual despesismo.
Neste contexto, algo incomum para o acompanhamento pós-programa do FMI, o sinal de alarme é inequívoco: as vulnerabilidades aumentaram, e o modelo actual de financiamento está à beira do colapso.
Se nada mudar — e se o sector petrolífero não surpreender positivamente —, a festa da dívida fácil e rápida pode ter um fim abrupto, com consequências devastadoras para a economia real e para o bolso dos angolanos.