O Chefe de Estado foi mal informado sobre a proveniência de verbas para um hospital envolto em suspeitas de corrupção. Ou seja, alguém mentiu o presidente.
Episódios similares, como as inverdades proferidas a partir do Parlamento, no acto de um de seus discursos do Estado da Nação, colocam em cena o SINSE.
A qualidade da obra do Hospital de Benguela também gera dúvidas.
O Presidente da República, João Lourenço, havia deixado recentemente a província de Benguela convicto de que o Hospital Municipal da Baía Farta fora financiado por empresários locais.
Nada mais do que uma flagrante mentira ante a qual o PR prometeu aos alegados protagonistas que iriam ter as “mãos limpas pelo apoio prestado ao Estado”.
O que é facto, a obra resulta de fundos públicos, conforme os resultados de pesquisas feitas pelo Novo Jornal.
Lançada em 2011, um ano depois do concurso público vencido pela empresa Benguela Construções, a obra fez parte do programa de investimentos públicos (PIP), suportado pelo Orçamento Geral do Estado.
O Hospital Municipal custou aos Estado 721 milhões de kwanzas, sem o apetrechamento, que deve estar concluído daqui a um mês.
O Governo de Benguela, segundo fontes bem posicionadas, procedeu a pagamentos nos consulados do general Armando da Cruz Neto e do engenheiro Isaac dos Anjos, ambos ex-governadores provinciais.
Não se conhece a fonte da informação avançada pelo Presidente angolano, se o Governo Provincial ou os próprios empresários.
Contudo, João Lourenço, o Presidente da República, é, se ainda existirem dúvidas, “desmentido” pelo empreiteiro, que está, entretanto, associado a supostos esquemas de corrupção engendrados ao longo de 10 anos, o tempo de duração de uma empreitada projectada para não mais de 24 meses.
Ao sublinhar que às autoridades caberá apenas instalar o equipamento, partindo da ideia de que “”os empresários levantaram a infraestrutura física””, o Chefe de Estado angolano deu azo a críticas de empreendedores subcontratados pela Benguela Construções.
“Ajudei a levantar as paredes, subcontratado pelo Vidinha (sócio-gerente). É uma obra pública””, simplificou um jovem construtor.
Falando aquando da visita, depois de confrontado com uma mensagem da Aliança Empresarial de Benguela, Lourenço prometeu, em obediência à velha máxima de que “uma mão lava a outra”, solucionar os problemas que assolam uma classe formada por diferentes ramos de actividade.
“Vão ter as mãos limpas … limpas da Co- vid-19”, ironizou. Isto quererá dizer, na óptica do analista político José Sande, que o PR vai à procura de outros parceiros empresariais mediante novo endividamento.
“É a postura típica de quem deve e não consegue pagar e, como a vida não pode parar, tal como deverá alegar, vai contrair dívidas a outras pessoas”, vaticina Sande, lembrando que a sobrefacturação, conforme se aventa, parte dos que contratam.
“É, portanto, uma forma obscura de dizer que não está em condições de pagar as dívidas””, acrescenta o analista.
Secreta procura culpados
João Lourenço nem sequer tinha chegado ao Aeroporto da Catumbela, no regresso à capital do País, já o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SINSE) estava em cena, não à procura de confirmar “tamanha mentira””, mas à descoberta da proveniência da informação que levou o Presidente a cair nesta esparrela.
O facto de JLo ter ficado mal na fotografia quando, em plena Assembleia Nacional, deu por concluída a reabilitação de uma estrada repleta de buracos, para não falar da polémica Mediateca do Bié, acelerou a operação dos homens da secreta.
“Tanto mais que, como se sabe, este hospital está envolto em suspeitas de corrupção, há muito sob a alçada da Procuradoria-Geral da República”, indicou fonte do Serviço de Investigação Criminal, que empurra para a trama responsáveis de diferentes departamentos do Governo Provincial de Benguela.
Contactado pelo NJ, o empresário Fernando Vidinha, sócio-gerente da Benguela Construções, igualmente visado, disse que não pretendia abordar o assunto, mas o seu director-geral confirmou que o hospital foi construído com fundos públicos.
Numa retrospectiva do período de lançamento do concurso público ao momento actual, com a unidade – 150 camas – a 95%, Nuno Cardoso falou em dificuldades financeiras que impuseram sucessivas paralisações.
“Entretanto, o hospital foi saqueado, avisámos o Governo e a Polícia, que fizeram algo, mais tarde. Desapareceram cabos eléctricos e equipamentos sanitários””, conta o gestor.
Em resposta a um pedido do governador provincial, Rui Falcão, alguns empresários, aqui sim, ajudaram a repor este equipamento, num exercício de solidariedade que incluiu a preparação do jardim.
Algo bem diferente da mensagem transmitida ao País pelo Chefe de Estado, que chegou a
recordar, no sentido de estabelecer analogias, o facto de, como reza a história, a sociedade civil benguelense ter apoiado a construção do Aeroporto 17 de Setembro.
“Qualidade da obra não justifica o montante”, diz arquitecto.
Entre suspeitas de desvios de verbas e sobrefacturações, surge o arquitecto Felisberto Amado a afirmar que a qualidade da obra não justifica o montante, argumentando que um hospital “”não é um edifício qualquer, deve estar preparado para salvaguardar a saúde do cidadão”.
O Professor do Instituto Superior Politécnico Católico de Benguela vê material de construção sem qualidade, como são as “”chapas simples”” que fazem a cobertura, e refere que o tempo de execução – dez anos – ajuda a perceber alguma coisa.
“Tendo em conta as temperaturas … a própria localização, uma vila piscatória à beira mar, e sabemos que o zinco ou chapas de ferro se deterioram com muita facilidade. Daqui a dois anos, chovendo, não estranhemos se a água chegar aos compartimentos”“, avisa o académico, numa apreciação técnica que não poupa o material de alvenaria (blocos de cimento ou tijolo).