Depois de três semanas de investigações na Administração Geral Tributária (AGT), peritos da Inspecção Geral da Administração do Estado detectaram pagamentos de vários milhões de dólares feitos no estrangeiro, em contas privadas, por trabalhos realizados no país, além de outras irregularidades graves.

De acordo com uma fonte da AGT, os trabalhos de inspecção terminaram na semana passada. Durante três semanas, registou-se uma frequência nunca vista nas instalações da AGT, principalmente no edifício sede, na Baixa de Luanda, com entradas e saídas de inspectores com documentos, computadores e outro material para investigação.

“Os inspectores descobriram artifícios fraudulentos de ordem financeira de muitos gestores e dirigentes feitos através de contratos milionários, cujos pagamentos são efectuados no exterior, principalmente Portugal, em contas privadas”, disse.

Depois, acrescentou, “a entidade que dá a cara reparte os valores por instituições, que os escondem em offshores”.

De acordo com a fonte, sinais claros de enriquecimento ilícito de funcionários daquela instituição do Ministério das Finanças chamaram a atenção dos inspectores.

Além de detalhes sobre elementos indiciativos de gestão pouco claros de recursos financeiros, os inspectores discorreram, igualmente, sobre os recursos humanos e patrimoniais da AGT, tendo descoberto vários casos de nepotismo e corrupção, envolvendo elementos da instituição.

Quanto às manobras financeiras, sem revelar os valores descobertos, a fonte falou em contratos com prestadores de serviços, alguns sem necessidade, e “montantes avultadíssimos, principalmente em dólares americanos”, através de “pagamentos feitos no exterior, com grandes prejuízos para o Estado angolano”.

“Não se justifica o pagamento no exterior, quando o trabalho foi efectuado em Angola e existem instituições financeiras e bancárias no país onde as transacções devem ser feitas”.

A fonte sublinhou que decorrem, igualmente, inspecções noutros departamentos do Ministério das Finanças, como na área da Dívida Pública, no Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA), no Banco de Poupança e Crédito (BPC) e no Recredit – Gestão de Activos SA, instituição que em 2017 recebeu do Estado dois mil milhões de dólares para comprar os créditos malparados da banca nacional e, com isso, facilitar a recuperação da economia.

O “Jornal de Angola” tentou ouvir a direcção da Inspecção Geral da Administração do Estado, porém, sem sucesso. Também tem procurado dar voz às instituições mencionadas na matéria, num esforço que vai prosseguir.

 Cerco às más práticas

“São muitos casos de nepotismo, peculato e corrupção generalizada, detectados em grande parte das instituições inspeccionadas”, afirmava a fonte. Sublinhava que o comportamento assumido pelos gestores públicos, e de forma reiterada, indicava que tinham perdido o medo.

“Como foram muitos anos de impunidade, estes gestores começaram a agir de forma aberta, sem receio, nem medo”, explicou.

Em Dezembro, no balanço feito das actividades do IGAE, o inspector-geral da Administração do Estado, Sebastião Ngunza, revelou que o Estado angolano sofreu prejuízos de mais de 800 mil milhões de kwanzas, 60 milhões de dólares e mais 15 milhões de euros resultantes de despesas injustificadas, pagamentos de obras públicas não realizadas e desvios de fundos públicos, no período de 2016 a 2017.

Combate à corrupção não tem volta

O próprio Presidente João Lourenço assumiu o combate à corrupção como uma das prioridades da sua governação. O objectivo é atacar as más práticas de gestores e servidores públicos, que lesam o interesse público, do Estado e dos cidadãos, no quadro da moralização da sociedade.

Repetidamente, o Presidente da República tem afirmado que a impunidade é responsável pelos altos níveis de corrupção que se atingiu no país.

“Se não se faz nada, se não se sanciona, não se pune, não se processa, não se condena aqueles que têm sinais muito evidentes de terem sido corrompidos, é evidente que os outros farão o mesmo”, lembrou o Presidente da República, indicando que a estratégia para garantir o êxito na luta contra a corrupção passa pela “coragem e determinação”.

PCA da AGT confirma inspecções, mas nega ilegalidades

O presidente do Conselho de Administração da Administração Geral Tributária (AGT), Sílvio Burity, confirmou ter havido auditorias da Inspecção Geral da Administração do Estado, durante o mês de Janeiro, mas negou a existência de casos de corrupção, nepotismo, má gestão ou peculato na instituição.

Procurado para reagir a denúncias sobre a existência de contratos feitos no país, mas com pagamentos milionários no exterior, principalmente em Portugal, Sílvio Burity confirmou contratos de “valores elevados”, mas garantiu que o único com desembolso no exterior está enquadrado na Linha de Crédito da China, referente à modernização de todas as repartições fiscais, em termos informáticos, e que vai permitir receber o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA).

“Os chineses não permitiriam que se pagasse aqui”, disse, sublinhando que os contratos com valores elevados, no sector petrolífero e na área fiscal e aduaneira, estão devidamente autorizados por Despacho Presidencial e visados pelo Tribunal de Contas. No entanto, afirmou, “não existem contratos com empresas portuguesas” e, por isso, pagos em Portugal. 

Sem quantificar os valores exactos, Sílvio Burity, que dirige a AGT desde Dezembro de 2016, afirmou que os projectos enquadrados na Linha de Crédito da China iniciaram no mandato anterior, com outras empresas, mas, como não havia suporte financeiro, foi “necessária a sua inclusão na linha de crédito, feito por este Conselho de Administração, e com a substituição das empresas anteriores ”.

Sílvio Burity justificou as denúncias com “intrigas internas”, principalmente de elementos abrangidos por processos disciplinares. “Estes indivíduos que estão a fazer circular estas informações estão bem identificados”, disse.

Quanto às inspecções, disse: “são normais. Tivemos, no ano passado, inspecções da Inspecção Geral de Finanças, agora tivemos do IGAE e por ano devemos ter do Tribunal de Contas”. E garantiu: “não temos casos de má gestão aqui na AGT.

“Peculato, posso garantir-lhe absolutamente que não há”, afirmou. Quanto ao nepotismo, também denunciado pela fonte do “Jornal de Angola”, Sílvio Burity preferiu responder com o tratamento dado aos colaboradores: “é só falar com os funcionários; se se portou-mal, tem o mesmo tratamento e, se tiver que ir para a rua, vai mesmo para a rua”, afirmou, para acrescentar que houve vários casos de funcionários demitidos por irregularidades reiteradas.

Sílvio Burity garantiu que a instituição está comprometida em não tolerar condutas que manchem a instituição e deu exemplo de um dos seus administradores, Nikolas Neto, que tinha os pelouros da Direcção de Tributação Especial, Direcção Técnica e o Gabinete de Comunicação Institucional, a cumprir pena por desvio de verbas da AGT.

“Vejo muitos comentários negativos sobre mim, mas entendo que, em termos de rigor, de disciplina, exijo muito e luto pelos resultados e estimulo os meus colegas”, disse, para sublinhar que nunca comete injustiça sobre os “colegas”. 

Sílvio Burity admite que denúncias recentes tenham a ver com um “colega, que era director, envolvido em negócios e que está a ser afastado neste momento”. O PCA sublinhou ainda que não tem acesso às receitas arrecadadas, que vão directamente para o Tesouro Nacional.

“Estas receitas não passam por aqui em termos físicos, em termos monetários. O que temos é o controlo em termos de papéis, de documentos de cobrança e são estes documentos que provam que os vários contribuintes cumpriram”, disse.

JA