A decisão do Tribunal Constitucional dá “luz verde à Lei de Revisão Constitucional(LRC)”, tendo considerado estarem em conformidade as normas relativas à fiscalização política, a fixação de data para as eleições, a autonomia do Banco Nacional de Angola (BNA) e a jubilação dos juízes aos 70 anos.
No acórdão, o Tribunal Constitucional solicita a revisão da norma que obriga os Tribunais Superiores a enviarem relatórios ao Presidente da República e à Assembleia Nacional, mantendo, no entanto, intactos os demais aspectos contemplados no processo de revisão constitucional.
Na análise à LRC, o Tribunal Constitucional considera que a consagração da apropriação pública nos nº 4 e 5 do artigo 37º da LRC, enquanto opção política do legislador, respeita os limites materiais de constitucionalidade.
Constata que os nºs 4 e 5 estabelecem as balizas para o exercício do instituto da apropriação pública por parte do Estado, cujo desenvolvimento e implicações serão objecto de regulação em legislação infraconstitucional própria.
Actos procedimentais
No acórdão, o Tribunal Constitucional considera que a aprovação da LRC respeitou os procedimentos estabelecidos na Constituição e na Lei do Processo Constitucional, não se tendo verificado qualquer desrespeito aos limites formais, nomeadamente de procedimento e de quórum de aprovação, nem dos limites circunstanciais.
Sistema jurisdicional
Sobre a alteração da disposição originária dos tribunais superiores, que na LRC começa com o Tribunal Supremo e depois o Tribunal Constitucional, mas mantendo as respectivas atribuições, nos termos do nº 1 do art.º 176.
O acórdão considera que “não substitui o Tribunal Constitucional quanto aos poderes de, perante as decisões proferidas por todos os tribunais existentes, “administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, nos termos da Constituição e da lei.
Esclarece que relativamente à organização que o legislador constituinte de 2021 conferiu à norma do art. 176º nº 1 da LRC, sendo uma mudança de paradigma em relação a 2010, a “ordem de precedência e meramente protocolar a não afecta a competência de cada um dos tribunais superiores“.
“Da leitura atenta das disposições da Lei de Revisão Constitucional e da CRA pode-se claramente que as decisões do Tribunal Constitucional, sendo este um tribunal de especialidade em matérias de natureza jurídico-constitucional, aquelas prevalecem sobre as decisões dos demais e quaisquer outras autoridades, incluindo as do Tribunal Supremo”, refere o documento, que teve seis votos favoráveis, dois com reserva e dois vencidos, com declaração.
O Tribunal Constitucional conclui que “a norma do nº 1 do artigo 176º da LRC respeita os limites materiais previstos no art.º 236 da CRA”.
Separação de poderes
O Tribunal Constitucional concluiu que a exigência de remessa por parte dos tribunais Constitucional e de Contas, Supremo Tribunal Militar e o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), de relatórios anuais das suas actividades ao Presidente da República e à Assembleia Nacional para conhecimento (artigos 181º nº5, 182º nº 4, 183º nº 4 e 184º nº 6) viola o princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania que é dos limites materiais de revisão constitucional.
O Tribunal Constitucional esclarece que o princípio da separação de poderes determina a especificidade de funções dos órgãos de soberania, sem submissão de um ao outro. A submissão deste relatório, acrescenta, para que seja apenas para efeitos de conhecimento, contende com o princípio em referência.
“Todos os artigos, ora em análise, constituem desrespeito aos limites materiais da independência dos tribunais e da separação e interdependência dos órgãos de soberania, nos termos das alíneas i) e j) do artigo 236º da CRA”, concluiu.
Com a revisão, agora validada, a Constituição passará a ter 249 artigos, contra os actuais 244, sendo que foram alterados 44 e incluídos sete novos.
A Assembleia Nacional aprovou, a 22 Junho, com uma maioria qualificada de 152 votos a favor, nenhum contra e 56 abstenções, a primeira revisão ordinária parcial da Constituição, 11 anos depois da entrada em vigor, a 5 de Fevereiro de 2010.
Entre outras questões, a revisão esclarece as dificuldades de interpretação que havia, sobre a fiscalização do Executivo pela Assembleia Nacional, e assegura o exercício de voto aos cidadãos angolanos residentes no exterior, assim como retira da actual Constituição o princípio do gradualismo na implementação das autarquias.
As alterações aprovadas abrangem, igualmente, a estrutura de posicionamento de instituições como o Banco Nacional de Angola (BNA), que passa a ter estatuto constitucional e uma nova forma de designação do seu governador.
Ao Tribunal Constitucional compete apreciar a constitucionalidade de quaisquer normas e demais actos do Estado, bem como efectuar a apreciação preventiva da constitucionalidade das leis do Parlamento, nas quais se enquadra a Lei de Revisão Constitucional.
A Constituição atribui ao Presidente da República e a um terço dos 220 deputados da Assembleia Nacional, em efectividade de funções, a iniciativa de revisão constitucional. A revisão constitucional em curso é uma iniciativa do Presidente da República, João Lourenço.
Duas declarações de voto vencido
Os juízes conselheiros Carlos Teixeira e Manuel Aragão (presidente) apresentaram declarações de voto vencido.
Carlos Teixeira considera que a norma do nº 4 do artigo 37º da LRC (apropriação pública) “viola o núcleo essencial do direito de propriedade, enquanto liberdade fundamental, porquanto não se pode ser dela privado arbitrariamente“.
Em causa está o facto de o Estado poder decretar a apropriação pública sem a obrigatoriedade de indemnização, ao contrário do que acontece com a expropriação por utilidade pública.
Carlos Teixeira questionou igualmente as normas dos artigos 110º nº 2 alínea e) e 145º al. a), que no seu entender viola o artigo 53º da CRA, porque “restringe de forma permanente o exercício do direito de acesso a cargos electivos, como se uma pena perpétua se tratasse.
No rol das objecções de Carlos Teixeira constam, também, os artigos 132º da LRC, sobre o preenchimento da vacatura do cargo de Presidente da República e 179º nº 9, sobre a jubilação dos juízes de qualquer jurisdição aos 70 anos de idade.
Segundo Carlos Teixeira, esta disposição contraria o nº 4 do artigo 180º da CRA, que estabelece o princípio do mandato associado à garantia de inamovibilidade dos juízes do Tribunal Constitucional.
Na sua declaração de voto vencido, o juiz presidente do Tribunal Constitucional, Manuel Aragão, fala também sobre a apropriação pública (nº 4 do artigo 37º da LRC), do nº 1 do artigo 176º da LRC, sobre a organização dos Tribunais Superiores.
Manuel Aragão considera que a ordem constante da LRC “contraria a estrutura funcional dos Tribunais Supremo e Constitucional, tendo em conta a natureza de cada um deles”.
Segundo o magistrado, a articulação proposta, que coloca o Tribunal Constitucional a seguir ao Tribunal Supremo, “constitui uma violação aos princípios estruturantes consagrados na CRA”.
A disposição sobre a jubilação dos juízes de todas as jurisdições aos 70 anos de idade mereceu, também, considerações de Manuel Aragão. O juiz presidente considera que a interrupção do mandato para as funções de juiz conselheiro, fora da jurisdição comum, por ter atingido a idade prevista como a de jubilação, “viola manifestamente o princípio da inamovibilidade dos juízes”.