O representante do Ministério Público, enquanto titular da acção penal, requereu em sede da audiência de discussão e julgamento, que decorreu na 7ª secção dos Crimes Comuns Tribunal Provincial Dona Ana Joaquina, no dia 10, a absolvição de dois dos seis réus acusados de actos preparatórios e organização terrorista.
A petição prende-se com a insuficiência de provas e elementos que os ligue ao crime tipificado na lei 34/11 de 12 de Dezembro.
Trata-se da ré Júlia Lopes e do réu Dala Kamuenji.
O representante do Ministério Público apresenta, ao pormenor, as acusações feitas aos réus devidamente identificados nos autos como Angélico da Costa (39 anos), Joel Said (23 anos), Bruno Alexandre (31 anos), Panzo José (27 anos), Dala Justino e Ana Júlia (33 anos) a quem são acusados dos crimes constantes da redacção dos artigos 61º, 62 e 64º da Lei 34/11 de 12 de Dezembro, Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo.
De acordo com a acusação, os jovens criaram em Angola um grupo muçulmano radical, denominado “Street Da Was”, com pessoas convertidas ao Islão, que juraram fidelidade e obediência ao líder máximo da organização radical “Estado Islâmico”, Abou Bakr AL-Bagdadi..
O representante do MP pede que o Tribunal dê como provados os factos, lembrando que o réu Joel Said terá confessado, na fase de interrogatórios, que teve vários perfis no facebook e que ter-se-á relacionado com brasileiros acusados de estarem na base da criação e recrutamento de membros para o daesh ou estado islâmico.
Juntamente com Bruno Alexandre, foram convidados a viajar para o Brasil para que se encontrassem com os jovens cariocas acusados de terem tentado perpetrarem atentados contra os Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro. Do Brasil, partiriam para a Síria e quiçá para o Iraque. Bruno foi acusado pelo MP de promover o recrutamento por via da página que criou no facebook.
O MP acusa os jovens angolanos de terem prestado juramento ao auto-proclamado “estado islâmico”. Segundo o MP, os jovens angolanos já projectavam treinamento de guerrilha e que do seu computador foram extraídos ficheiros contendo fotografias de edifícios públicos e de reuniões da Polícia Nacional.
Além disso, numa das páginas na internet, estava sobreposta uma bandeira da Unicidade do ISIS sobre a bandeira de Angola.
“Como se o país tivesse sido tomado pelo daesh”, sublinha o representante do MP, que lembrou que a investigação encontrou uma página “Predicar Angola” e uma outra “Estado Islâmico em Angola”, além de se ter descoberto a existência do “Street Da Was”, que embora signifique evangelizar e divulgar o Islão na rua, o MP entende não ser bem assim, pois significa também “destratar os que chamam de infiéis, os ocidentais”.
No caminhar das alegações, o representante do MP chama atenção pelo facto de não se estar ainda perante a formação efectiva de organização, associação ou grupo, embora as centenas de imagens e outros meios apreendidos apontem para aí.
Por exemplo, o MP alega que Angélico da Costa extraiu e traduziu textos sobre o estado islâmico na internet(Wikipedia). Numa das lojas, no Mártires de Kifangondo, reuniam para discutir os textos sobre o jihadismo.
A cada um deles, Angélico da Costa, Bruno Alexandre e Joel Said, o MP acusa de terem feito juramento de fé ao isis, que os vincula automaticamente ao grupo radical, mas, também, de expressarem o desejo de verem o retorno do califado que significaria o fim dos que chamam de infiéis que se aliaram às forças da coalisão ocidental.
“Todos estes escritos constituem provas nos autos e que queriam juntar-se ao isis Angélico Costa que influenciou Joel Said e Ana Lopes e que chegaram a fazer juramento de fidelidade ao grupo radical e estavam a preparar viagem para o Brasil, Síria e depois para o Iraque”.
Já no final das suas alegações, o representante do MP pediu absolvição da ré Ana Júlia e Dala Kamuenji por não se terem verificado provas bastantes para os incriminar, pedindo que o Tribunal adopte a medida incita no princípio “in dubio pro reu”.
Para Bruno Alexandre, o representante do MP requereu que o tribunal atribua uma pena de prisão maior inferior a três anos. Aos outros três, Joel Said, Angélico Costa e Panzo José, o MP pede uma pena não inferior a quatro anos de prisão maior.
As reacções não se fazem esperar, mas o juiz impôs disciplina na sala e a audiência prosseguiu com as contra-alegações da defesa, formada por seis mandatários.
“Sou cidadão do bem” As alegações, quer do MP, quer dos advogados de defesa, totalizaram perto de quatro horas. Estava, no essencial, tudo dito. O juiz da causa pergunta se os réus têm mais alguma coisa para dizer em sua defesa? Os réus, um a um, se pronunciam em parcas palavras. Estão cansados e com receio. Por isso, não se arriscam com “tagarelices”.
Caso eivado de insuficiência de provas
O réu Bruno dos Santos alegou, em sua defesa, que é um cidadão de bem, um artista, respeita as normas do país e que é, inclusive, estudante do curso de Direito. “Não cometi nenhum crime”, defende-se.
Lando Panzo José, mais conhecido por (Mohamed Lando) , que desde o início do julgamento sempre negou as provas apresentadas contra si, pelo Ministério Público , ressaltou que nunca fez parte de nenhum grupo terrorista , e acrescenta, numa espécie de pedido desesperado que o tribunal actue com imparcialidade.
Dala Kamuenji é um réu sereno naquele momento. Nas alegações passadas, nunca assumiu o crime do qual é acusado, sublinhando que as provas apresentadas contra si são fruto de um material de pesquisa pessoal que tinha como objectivo fazer um estudo comparado sobre areligião islâmica.“Peço que o tribunal faça justiça”, solicitou.
A ré Ana Júlia Cobel Kieto, 36 anos, mais conhecida por Aisha Lopes, na fase das alegações finais em sua defesa disse ser inocente. “Atendendo a minha profissão de estilista, esta situação acaba por ser constrangedora, visto que prejudica muito a minha imagem”, disse, acrescentando: “sou inocente e peço que justiça seja feita”. Convertida ao Islamismo desde 1996, a angolana Ana Júlia que está a ser julgada na 7.ª Secção dos Crimes Comuns, foi detida na madrugada do dia 2 de Dezembro de 2016, no seu apartamento, pelo agentes do SIC, juntamente com seu marido, Angélico Costa, mais conhecido por (Mujahid Kenyata) de 39 anos, também acusado de crime de organização terrorista. Em sua defesa o réu Joel Said Salvador Paulo, disse: “não cometi nenhum crime e não sou criminoso”.
O advogado de defesa do réu Angélico da Costa mais conhecido por (Mujahid Kenyata), Lando Panzo José e Bruno dos Santos, disse que não existem elementos suficientes que indicie que os seus constituintes tenham praticado o crime do qual são acusados. “Ninguém pode ser condenado sem que tenha cometido algum crime e nem ser condenado por crime diverso do que está ser acusado”.
O advogado questionou o tribunal se o facto do réu Lando Panzo José ter investigado matérias relacionadas com o estado islâmico é crime?.
Em defesa da ré Ana Júlia, o advogado disse que a mesma, responde em liberdade devido as falhas na instrução do processo. Acrescentou que o certo é que todos sejam postos em liberdade, aliás, uma posição assumida por cada um dos seis advogados que constituem a defesa dos seis réus.
O advogado Sebastião Assurreira vai mais longe, chegando mesmo a revelar que foram os agentes do SIC que atribuíram o nome de “Estado Islâmico de Angola” e pergunta também se o que está em causa são, de facto, os réus ou a religião muçulmana? Será que as provas são suficientes para constituir crime?
Em face disso, o juiz da causa alerta para a necessidade de não se iludirem com o que dizem sobre a insuficiência de provas, pois o tribunal guia-se pelo princípio da “livre apreciação das provas”.