O Presidente da República, João Lourenço, gerou ampla controvérsia ao abordar, numa entrevista recente, a questão da sua sucessão política.
As declarações, que muitos consideraram elitistas e excludentes, não foram bem acolhidas por parte significativa da opinião pública angolana.
“Penso todos os dias. Penso calado, como se diz. Não seria verdade dizer que não penso. Tenho de pensar, é meu dever pensar, porque não podemos deixar que o País fique nas mãos de um qualquer”, afirmou o Chefe de Estado, suscitando fortes críticas nas redes sociais e nos círculos políticos.
João Lourenço afirmou ainda que considera ser sua obrigação ajudar a indicar o sucessor à Presidência, reconhecendo, no entanto, que a escolha final não dependerá exclusivamente da sua vontade.
“É a minha obrigação ajudar a encontrar um substituto. E digo ajudar, porque não depende apenas da minha vontade. Mas com certeza estou em melhores condições do que qualquer outro cidadão para indicar o rumo a seguir”, acrescentou, defendendo que o seu sucessor “deverá fazer igual ou melhor” que ele próprio.
Jovens sim, mas… não “qualquer jovem”
Ao reflectir sobre o perfil do futuro Presidente da República, Lourenço recordou o contexto histórico da sucessão de Agostinho Neto por José Eduardo dos Santos, destacando que este tinha apenas 37 anos.
“Se naquela altura já se teve a visão de se pensar num jovem — claro que não foi um jovem qualquer — um jovem que, no nosso entender, estava preparado… Hoje temos, igualmente, não um, nem dois, nem três, temos alguns jovens que, com certeza, estarão, quando chegar o momento, preparados para assumir as rédeas da governação de Angola”, frisou.
A menção repetida a “não ser qualquer um” foi alvo de contestação por parte de sectores sociais e políticos, que interpretaram as palavras como uma tentativa de exclusão elitista e paternalista do debate democrático sobre a sucessão.
“Fizemos mais em 50 anos do que o colonialismo em 500”
Sobre os 50 anos da Independência Nacional, a serem comemorados em Novembro de 2025, João Lourenço reiterou declarações já proferidas em 2024, ao lançar a agenda política do MPLA.
“Se quisermos ser realistas, fizemos muito mais em 50 anos do que o regime colonial português fez em 500, em praticamente todos os domínios: infraestruturas, estradas, energia, escolas, hospitais”, garantiu, prometendo apresentar um “balanço com números” para comparar o antes e o agora.
Autárquicas e bloqueios parlamentares
Relativamente às eleições autárquicas, o Presidente atribuiu o impasse à falta de consenso no Parlamento.
“Parte dos partidos com assento parlamentar defende que não há condições para fazer eleições autárquicas em simultâneo em todos os municípios. E há outra parte que defende que ou se faz em todos, ou não se faz”, explicou.
Revelou ainda que foi ele quem levantou a questão das autarquias numa reunião do Conselho da República, embora reconheça que a Constituição já previa este modelo de governação local.
“É evidente que a Constituição já falava das autarquias, mas não se sentia pressão social nem política para a sua concretização imediata”, comentou.
Crítica a Portugal sobre nova lei de imigração
João Lourenço também manifestou desagrado face às novas disposições da Lei sobre entrada e permanência de estrangeiros aprovadas pelo Parlamento português.
“Existe algum incómodo. O Brasil teve a coragem de manifestar isso. Nós, até aqui, não dissemos nada, mas estamos a acompanhar a evolução da situação com muita atenção”, declarou.
“O mínimo que se exige é que Portugal não trate os imigrantes que escolheram o país como destino de forma pior do que os portugueses foram tratados nas nações que os acolheram ao longo dos anos.”
Análise Editorial – Correio Digital
As declarações do Presidente João Lourenço evidenciam um discurso de continuidade e de centralização da autoridade sobre a sucessão política. Contudo, a forma e o conteúdo das afirmações, especialmente a ideia de que “não se pode deixar o país nas mãos de um qualquer“, ressoaram mal entre vários sectores, sendo vistas como uma tentativa de condicionar o debate democrático e excluir potenciais lideranças emergentes, particularmente fora da esfera do partido no poder.