São milhões de pacotinhos que se vendem diariamente na cidade de Luanda, um negócio de milhões de kwanzas para quem os coloca no mercado, mas um enorme problema de saúde pública. São milhões de angolanos que já estão ou vão a caminho de se tornar alcoólicos.
Apesar de a lei proibir a venda de bebidas alcoólicas na via pública, a variedade de marcas de álcool que se vê nas ruas é enorme, o que permite ao consumidor uma escolha alargada, percebendo-se que não há controlo nem regulamento para a venda deste produto e nem para quem os consome.
E, se numa primeira fase se poderia pensar que são apenas jovens de baixa renda que os consomem, uma volta pela cidade mostra que hoje não é bem assim. O Expansão encontrou também agentes de fiscalização, polícias, empregados de comércio e muitos outros cidadãos anónimos de pacotinho na mão.
“Toda a gente compra, até uns senhores de gravata”, diz-nos Maria Carlos, que tem um ponto de venda ao lado de um local de apostas desportivas no centro da cidade. “São os jovens que compram mais. Alguns já têm as suas preferências, levam sempre o mesmo pacote. A venda está a aumentar todos os dias e normalmente acabo sempre as caixas que trago”, explica.
O médico Jeremias Agostinho olha para este fenómeno e chama a atenção para a necessidade de um controlo redobrado na venda de bebidas alcoólicas em espaços públicos. “Há venda deste tipo de álcool em todos bairros, esquinas e até pedonais, sendo que mesmo as crianças compram”, revela, apontando que “a educação é a base para se combater tal fenómeno”. Para o médico, o indivíduo, quando estuda, sabe que a sua saúde é um bem precioso e que a deve proteger.
O médico aponta outra solução que passa por “empoderar as pessoas que comercializam estes produtos, de tal forma que passem de ambulantes para pequenos comerciantes devidamente legalizados e estruturados para que seja possível controlar a venda destes produtos a menores de idade”. Acrescenta que “quando tivermos esta actividade comercial regulamentada e controlada já será possível trazer leis que regulem o funcionamento das indústrias, e depois reforçar os serviços de saúde para dar resposta aos problemas que forem surgindo com o consumo da bebida”.
Como nos explica, o baixo preço destes produtos impulsiona o seu consumo, pois com dois pacotes, 100 kz, é possível aliviar a sensação de fome e manter a energia. E se isto já era evidente nos arrumadores ou lavadores de carros, hoje são cidadãos com profissões formais que optam, à hora de almoço, por beber duas ou três doses destes pacotinhos na rua, voltar para o local de trabalho, acabando por só tomar uma refeição à noite quando chegam a casa. Também os mais velhos, com rendimentos baixos, são grandes consumidores deste produto, pelo que é obrigatório olhar para este fenómeno também pelo prisma da pobreza que está a crescer nas grandes cidades. O acesso fácil e o consumo na rua ajudam ao aumento do consumo. Por trás deste fenómeno está uma geração de alcoólicos, pessoas que o País está a perder, com todos os custos que isso implica para o futuro de todos.
Uma enorme oferta
O Expansão identificou em Luanda 18 diferentes marcas de bebidas alcoólicas em pacotinhos, fabricadas por 9 empresas diferentes, nomeadamente Distillers, Faive Lda, Wastershed Distillery, Coastline, Sivam Comércio e Indústria, Leek View, Unique Beveragens SA, Alia empreendimentos, Wntted Global Investment PVT. Todas elas registadas no Diário da República, com empresários indianos a liderarem a maior parte destas empresas. A AIBA refere, no entanto, que tem cadastradas 160 marcas diferentes de pacotinhos que se vendem em todo o País.
Estes produtos são comercializados em grande escala, a qualquer hora e em quase todos os bairros da cidade de Luanda. Os preços são acessíveis a todos e a venda é feita a qualquer cidadão sem discriminação da idade. No centro da cidade os preços variam de 50 Kz a 150 Kz sendo o Best Amarula, o mais caro. Mas quem compra nos bairros mais periféricos pode encontrar um pacotinho de whisky no valor de 30 Kz .
“Os nossos clientes são mais jovens e idosos com alguma desestabilidade social”, afirmou Liany Camea, vendedora ambulante há quase um ano na rua A da FTU- Palanca, notando que “se expor o cestinho cheio na bancada (25 embalagens com várias marcas), por dia, pode facturar entre 30 a 40 mil Kz entre as 16h00 e a uma da madrugada”.
Os mercados da Estalagem, 30 e São Paulo são os que têm maior número de revendedores grossistas e onde os vendedores de rua, maioritariamente, se vão abastecer A caixa custa entre os 6.800 Kz a 18.200 Kz. Uma balconista de uma das lojas no mercado da Estalagem afirmou que por dia podem vender até 200 caixas de whisky. “Aliás, é até ao momento o maior negócio da empresa”, revelou.
Uma curiosidade é que muitos destes pacotinhos continuam a ter a designação “whisky” para atrair os clientes, quando na verdade o seu conteúdo não tem a ver com esta bebida. Mas afinal quem licencia estas empresas para produzir bebidas alcoólicas? Quem faz a análise laboratorial para controlar a qualidade do produto? A verdade é que este negócio que envolve muitos milhões de dólares está a dar muito dinheiro a meia dúzia de empresários, que beneficiando de pouco ou nenhum controlo, vão deixar marcas muito profundas em toda uma geração. O ministro do Comércio e Indústria, Victor Fernandes, garantiu ao Expansão há duas semanas sobre este tema: “isso é tudo para fechar”.
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