Angola está a financiar o Estado com as suas próprias poupanças. Em apenas oito meses, as Reservas Internacionais sob gestão do Banco Nacional de Angola (BNA) recuaram 4%, o equivalente a 623 milhões de dólares, para um total de 15,1 mil milhões.
O montante de 15,1 mil milhões, que deveria funcionar como almofada de estabilidade cambial e segurança macroeconómica, está a ser usado para cobrir empréstimos do Tesouro. No limite, o país pode estar a hipotecar o futuro em nome da sobrevivência do presente.
As Reservas Internacionais geridas pelo Banco Nacional de Angola (BNA) registaram uma redução de 623 milhões USD entre Dezembro de 2024 e Agosto de 2025, passando de 15.768 milhões para 15.145 milhões USD, o que representa uma quebra de 4% em apenas oito meses, de acordo com cálculos do Expansão, com base nos dados de evolução diária do banco central.
Segundo o relatório, a descida resulta, fundamentalmente, dos empréstimos concedidos pelo BNA ao Governo, utilizando-se recursos das próprias reservas para financiar o défice fiscal. De acordo com o Orçamento Geral do Estado (OGE) 2025, está autorizado um financiamento de até 2 mil milhões USD por parte do banco central ao Tesouro.
Até Julho, foram já emprestados 1,3 biliões de kwanzas, o equivalente a cerca de 1.400 milhões USD. Isto representa mais de 70% da dotação anual prevista, numa altura em que as importações de bens e serviços absorveram 11,2 mil milhões USD no primeiro semestre — cerca de 1,87 mil milhões por mês. Face a este cenário, as reservas actuais só garantem oito meses de cobertura de importações, ainda acima da média da SADC (4 meses), mas num patamar preocupante.
Comparando com o período pré-Covid-19 (2019), o país perdeu mais de 2 mil milhões USD em reservas — que nessa altura ascendiam a 17.211 milhões USD.
O valor mais baixo das últimas décadas foi registado em Janeiro de 2022, com apenas 13.350 milhões USD. Por contraste, o auge foi atingido em Setembro de 2013, com 35.188 milhões USD.
As Reservas Internacionais são compostas por activos como moeda estrangeira, ouro, títulos soberanos e outros instrumentos financeiros, sendo um dos principais mecanismos de estabilidade cambial e garantia da solvência externa. No entanto, o seu uso continuado para financiamento interno levanta sérias questões sobre a resiliência financeira de Angola face a choques externos.
Análise Editorial – Correio Digital:
A contínua redução das Reservas Internacionais é mais do que um número técnico – é um sinal de fragilidade institucional e improvisação financeira. Ao financiar o Estado com dinheiro que deveria estar reservado para proteger o país de choques externos, o Executivo compromete a estabilidade da moeda, o controlo da inflação e a confiança dos investidores estrangeiros.
A narrativa oficial continua a apresentar oito meses de cobertura de importações como positivo, mas ignora que a origem desses fundos está a ser drenada de forma insustentável. Se os preços do petróleo oscilarem negativamente, ou se a pressão cambial aumentar, o Estado poderá não ter reservas suficientes para defender o kwanza nem para cumprir com as suas obrigações externas.
Pior ainda: a erosão das reservas surge num momento em que os indicadores sociais continuam alarmantes, com elevado desemprego, perda de poder de compra e acesso restrito ao crédito para MPMEs. Em suma, a política de queimar reservas para financiar o funcionamento do Estado não resolve problemas estruturais — apenas adia o colapso.