“Quando o professor pedisse “Lê”, eu respondia também “Lê”; – “Lê, ó menino”, orientava o professor. – “Lê, ó menino”, respondia eu, pois não compreendia.
Retomámos a envolvente história de um menino, hoje homem, reportada pelo Jornal de Angola e assinada pelo jornalista Rui Ramos, que lutou e venceu as peripécias da vida trilhando tortuosas veredas. E todas as pedras que encontrou nesta caminhada construiu o seu próprio castelo. Vale a pena ler…
Em 1999, com 8 anos, por causa do confronto militar entre as forças do Governo e da UNITA, na Cameia, foi forçado a refugiar-se com os pais na cidade do Luena, tendo sido alojado no campo de deslocados de guerra “Kamuzanguisa do Lumege”, perto do rio Luena.
No Kamuzanguisa, Benedito Muhusso frequentou a 1ª e a 3ª classes nos anos 2000-01. Pela idade, já avançada, pela óptima assimilação e por recomendação do professor, Bendito não fez a 2ª classe.
Com a redução do apoio do Programa Mundial Alimentar (PAM) aos deslocados, muitos optaram pelo regresso à Cameia.
Mas os pais de Benedito preferiram não regressar, para garantirem a continuidade da formação aos filhos, estabelecendo a residência no Bairro Zorró.
Mas o pai, diante das enormes dificuldades do dia a dia, regressou às chanas da Cameia para retomar a pesca, enquanto a mãe se dedicava à venda de peixe nos antigos mercados do Zorró.
Entre 2002 e 2008, Bendito Muhusso frequentou da 4ª à 9ª classes e em 2011 conclui no Instituto Médio de Administração e Gestão o curso de Técnico de Informática. Mas no período de 2004 a 2011, a trajectória de Bendito foi marcada por muitas lutas e desafios.
Com o objectivo de ajudar os pais na luta pela sobrevivência, Benedito começou a zungar sacos plásticos e depois roupas de criança e de mulher e loiças que vinham do Cuito e Huambo.
Anos depois, vendeu panos dos pais dos seus amigos, ora na zunga ora nas barracas, no Mercado do Zorró.
Mais tarde, após ter conseguido alguns valores monetários com a venda de panos, Bendito decidiu fazer negócio próprio, zungando medicamentos chegando a moto-taxista.
Entre 2007 e 2011, Bendito já era pai de dois filhos (teve a primeira filha aos 16 anos, em 2007).
Após ter terminado o ensino médio, em 2012, Benedito decide viajar para o Huambo para fazer o ensino superior, “após uma profunda reflexão sobre a origem e a realidade da família”.
“Não consegui vislumbrar um potencial “salvador” ou impulsionador da família.”
Bendito desfez-se assim das más influências de alguns amigos e libertou-se do ambiente negativo do próprio bairro.“Eu tinha necessidade de superar limitações relativas ao vocabulário e à expressão verbal, por perceber que o meu português estava muito enferrujado, pois só falava português quando estivesse na escola.”
Benedito começou a falar a Língua Portuguesa aos 8 anos, no Kamuzanguisa, altura em que começou a frequentar a escola.
“Quando o professor pedisse “Lê”, eu respondia também “Lê”; – “Lê, ó menino”, orientava o professor. – “Lê, ó menino”, respondia eu, pois não compreendia.
“Para o Huambo, Benedito levou a esposa e filhos, 3 irmãos, 2 primos e um sobrinho.
Em 2015, no meio das maiores dificuldades financeiras, Bendito concluiu a licenciatura em Contabilidade e Finanças, no Instituto Superior Politécnico Sol Nascente do Huambo.
Durante a frequência do curso destacou-se como o melhor estudante e como o melhor finalista pelo critério de nota (média final do curso mais alta).
Ainda no Huambo, de 2012 a 2016, trabalhou como técnico da Repartição do Património do Centro de Ecologia Tropical e Alterações Climáticas, estagiário em Contabilidade na Educa-Futuro do Huambo, técnico de Contabilidade, Finanças e Recursos Humanos, no Colégio Politécnico ROFRAC.
Tendo mesmo chegado também a ser professor de Introdução à Economia e Desenvolvimento Económico e Social, no Colégio Sol Nascente.
Em 2017, mudou-se para Luanda para frequentar o mestrado em Economia, na especialidade de Política Económica e Desenvolvimento, na Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto.
“A ida para Luanda foi uma das mais difíceis decisões da minha vida, deixei o emprego e a família, mas estudei com afinco, apesar das dificuldades financeiras, e terminei os estudos”.
Em 2019, com outros 2 jovens, com apenas 75 mil kwanzas de capital próprio, fundou a Luconta, uma empresa de Consultoria Empresarial e Formação, com sede no Luena.
No mesmo ano, devido às suas intervenções em matérias económicas, contabilísticas e tributárias, Benedito foi convidado pelo governador da província do Moxico, Gonçalves Mwandumba, para seu assessor para a Área Económica, intenção que não foi concretizada por motivos alheios à vontade de Bendito.
Entre 2018-20, Benedito foi docente universitário, no Instituto Superior Politécnico Privado Walinga do Moxico e na ex-Escola Superior Politécnica do Moxico. Benedito exerce, hoje, aos 29 anos, as funções de director do Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística da Administração Municipal do Luau.
JA