▪️ INE revela que apenas 19,46% do PIB de 2024 foi para salários — o segundo pior registo em mais de duas décadas
Os trabalhadores angolanos receberam apenas 19,46% da riqueza total gerada no país em 2024, um dos piores níveis de distribuição registados desde 2002. A informação consta das Contas Nacionais Anuais divulgadas recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), e expõe o agravamento da desigualdade social e da fragilidade do mercado laboral formal.
O dado evidencia a redução do poder de compra da população, numa economia fortemente pressionada pela inflação, desemprego, informalidade e concentração de rendimentos, sobretudo nas empresas que operam nos sectores de capital intensivo como o petrolífero.
“Este é o segundo pior registo da participação dos salários no PIB deste século, revelando uma tendência de exclusão económica dos trabalhadores em favor do capital”, aponta o economista Pedro Castro e Silva, antigo vice-governador do Banco Nacional de Angola (BNA).
PIB cresce pouco e empregos formais não acompanham
Nos últimos 10 anos, o Produto Interno Bruto (PIB) de Angola cresceu, em média, apenas 0,6% ao ano, abaixo da taxa média de crescimento populacional, estimada em 3,1% ao ano. Esta discrepância tem alimentado a informalidade laboral, hoje estimada em cerca de 80% do total de empregos.
“Com a economia a crescer abaixo da população, e com pouca capacidade de absorção de mão-de-obra formal, o mercado de trabalho passou a depender da informalidade como válvula de escape”, indica o relatório do INE.
Com o crescimento limitado e o investimento privado retraído, os salários mantêm-se estagnados ou em queda real, travando a mobilidade social e a capacidade de poupança das famílias.
Capital retém maior fatia da riqueza nacional
Enquanto os trabalhadores viram o seu peso na distribuição da riqueza nacional cair, as empresas viram a sua fatia aumentar substancialmente. O Excedente Operacional Bruto (EOB), que representa lucros, juros e rendas recebidas pelo capital, subiu de 71,3% do PIB em 2015 para 77,82% em 2024.
“Este movimento mostra uma maior apropriação do valor acrescentado por parte das empresas, num contexto de baixo crescimento do emprego e da remuneração real”, explica Pedro Castro e Silva.
Em termos comparativos, Portugal destina cerca de 47,2% do seu PIB ao pagamento de salários, o Brasil 30%, e a África do Sul cerca de 50%. Angola aparece muito abaixo destes países, refletindo uma estrutura económica desequilibrada e excessivamente dependente do petróleo.
Sector petrolífero pesa — mas não explica tudo
Apesar de cerca de um terço do PIB angolano advir da indústria petrolífera, tradicionalmente intensiva em capital e com baixa geração de emprego directo, especialistas alertam que o fenómeno da baixa remuneração dos trabalhadores não pode ser atribuído apenas ao petróleo.
“Outros países exportadores de petróleo apresentam níveis superiores de distribuição salarial. A média dos países árabes, por exemplo, mesmo sendo baixa, ainda é superior à de Angola”, observa o relatório com base em dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Impactos: desigualdade, pobreza persistente e travão ao crescimento
A combinação entre crescimento económico lento, baixa remuneração dos trabalhadores e informalidade alta resulta num ciclo vicioso de pobreza estrutural. Sem acesso a empregos formais bem remunerados, a maior parte da população fica excluída da riqueza nacional, reduzindo o consumo interno, o investimento familiar e a arrecadação fiscal.
“Com 80% dos empregos na informalidade e apenas 19% da riqueza a ir para salários, não há como sustentar o desenvolvimento de forma equilibrada”, conclui a análise.
Análise Editorial – Correio Digital
Os dados revelam um modelo económico que beneficia o capital em detrimento do trabalho, agravando as desigualdades e limitando o papel do rendimento laboral como motor do desenvolvimento. A urgência de uma política educativa visando a criação de competências paralelamente com uma política activa de promoção do emprego formal, diversificação económica e aumento da produtividade com redistribuição justa torna-se imperativa. Sem isso, Angola continuará a crescer sem inclusão.