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“Angola é como aquele carro que pisca à direita e entra à esquerda”

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Após o encontro na última semana com o Presidente norte-americano, Joe Biden, o chefe de Estado angolano, João Lourenço, escreveu uma carta a Xi Jinping face à crescente tensão nas relações entre Angola e a China.

A carta destaca o “sentimento de amizade, irmandade e solidariedade” entre os dois países. O Ministro das Relações Exteriores de Angola, Tete António, entregou a carta em Pequim, para reduzir a tensão causada pela mudança do foco diplomático e económico de Luanda em direção aos Estados Unidos. 

Pouco antes, a aproximação entre Angola e os EUA fora ressaltada por Biden, que prometeu visitar Angola e destacou projetos de cooperação, incluindo o Corredor do Lobito.

Em entrevista à DW África, o especialista em Relações Internacionais Herlander Napoleão diz que “Angola é como aquele carro que pisca à direita e entra à esquerda”.

DW África: Qual o papel da carta de João Lourenço ao Presidente chinês Xi Jinping no contexto da atual tensão nas relações Angola-China, especialmente considerando a recente aproximação estratégica de Angola aos Estados Unidos?

Herlander Napoleão (HN): Causa-nos alguma surpresa, porque o Presidente João Lourenço acabou de chegar do encontro com o Presidente  norte-americano, Joe Biden. Usando uma analogia, faz recordar um episódio de alguém que contraiu matrimónio com uma mulher, mas no dia seguinte faz uma carta de amor para a sua amante.

Portanto, é um pouco estranho, de facto, porque Angola tem relações históricas com a China, mas por outro lado, os Estados Unidos da América sentiram que depois do fim da guerra foram perdendo a sua supremacia, o poder que tinham no continente africano, uma vez que a China entrou com toda a força.

DW África: Existe então uma dívida moral? Há uma tensão causada pela mudança do foco diplomático, é isso?

HN: Não, a dívida não é moral, a dívida é concreta. Não há dados concretos de quanto é que Angola deve à China, estes contratos, estas linhas de créditos foram feitas com a garantia do nosso petróleo. 70% das nossas exportações são para pagar esta dívida, mas os números não são publicados, não são públicos – fala-se em 20 milhões ou 40 milhões, mas não há uma noção concreta de quando é que efetivamente devemos à China.

Por outro lado, há “tensões” ou animosidades entre Angola e a China, tanto que nós não temos embaixadores chineses há três meses, e a China ainda não indicou um novo embaixador. Esse é o indicador mais claro de que a relação Angola-China já viveu melhores momentos. Há um certo amargo de boca por parte do Governo chinês, uma vez que a China tem tido um papel preponderante na ajuda ao continente africano, a Angola em particular. E agora, Angola pisca à esquerda e vira à direita, começando a manifestar interesse em fazer parcerias estratégicas com os norte-americanos.

DW África: De que forma o realinhamento nas relações entre Angola, China e Estados Unidos se encaixa na batalha geopolítica entre os EUA e os seus aliados ocidentais e o eixo Rússia-China-Índia pela criação de uma nova ordem mundial?

HN: Hoje em dia, a América quer, sim, recuperar aquele espaço que já foi ocupado pela China, mas parece-me que é tarde, porque os países africanos estão completamente endividados. Falamos de dívidas incalculáveis, e a China não vai aceitar que os grandes investimentos de fundo que fez nestes países possam ser prejudicados por essa tendência americana no continente africano.

De recordar que isto é uma questão retórica, os EUA não são um país de muitas amizades, são um país que se preocupa muito mais com os seus interesses. Portanto, há sim um interesse particular em Angola. O Presidente Biden, nas suas palavras de cortesia, disse que Angola era o país mais importante do continente africano, e isso são palavras que são ditas de forma circunstancial. O que é certo é que, neste requisito em particular, há o interesse no transporte do cobalto, que se encontra na República Democrática do Congo, e é importante que Angola tenha capacidade de assegurar esses interesses norte-americanos na região. 

DW

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