A luta contra a corrupção em Angola tem uma dimensão claramente política e desacelerou nos últimos tempos, considera o investigador Ricardo Soares de Oliveira.
Ricardo acrescenta que o Presidente angolano tem tido dificuldade em concretizar o discurso de mudança que encetou em 2017.
No quarto ano do mandato do presidente angolano João Lourenço, que tomou posse a 26 de setembro de 2017, e numa altura em que Angola prepara novas eleições, o académico da Universidade de Oxford considera que o capital de simpatia do chefe de Estado no plano internacional não sai muito beliscado, o mesmo não acontecendo a nível interno.
“Imediatamente, se viu que havia muitas exceções na alegada guerra contra a corrupção”, apesar de a narrativa que se instalou a partir de 2017 ser mais positiva do ponto de vista de imagem externa do poder angolano, destacou.
Já a nível interno, a situação é “completamente diferente”.
João Lourenço , que assumiu uma “atitude belicosa” quase imediatamente contra os interesses do antigo regime, que culminou em novembro de 2017 com o despedimento de Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, da Sonangol, gozou de grande popularidade nos dois anos seguintes, mas o ceticismo da população não tardou em instalar-se.
Primeiro, devido à situação económica gravíssima que o país atravessa desde 2014 e perante problemas estruturais e conjunturais para os quais a administração do presidente Lourenço não pareceu ter respostas originais e eficazes .
“Tornou-se muito claro que o presidente Lourenço tinha uma postura de gestão de crise e não uma visão transformadora do país, aliás difícil de concretizar no contexto ultra-dependente do petróleo que existe em Angola”.
Segundo, pela dimensão “claramente política” na luta contra a corrupção direcionada contra os interesses de Isabel dos Santos e de alguns próximos do Presidente José Eduardo dos Santos
“Instalou-se a ideia de que isto era uma espécie de ‘vendetta’, de caça às bruxas que tinha que ver com o fortalecimento do poder do novo Presidente mais do que tinha que ver com uma luta de princípio, uma luta ética contra a corrupção propriamente dita onde quer que ela se encontrasse”, enfatizou.
Por isso, tem sido difícil para João Lourenço apresentar uma real dinâmica de mudança: “estamos a lidar não apenas com o mesmo partido do poder, mas com muitas das mesmas pessoas, mesmo num contexto em que há aparentemente alguma mudança geracional”.
Para Ricardo Soares de Oliveira houve um claro desacelerar da campanha contra a corrupção no último ano, no contexto de “uma certa ansiedade” que estava a criar no MPLA, partido no poder desde a independência de Angola.
“Não há um renegar oficial da campanha contra a corrupção, continua a ser retoricamente uma parte importantíssima da imagem de João, Lourenço, mas não há um aprofundar muito significativo desta campanha no último ano”, realça.
A “limpeza sistémica” fica assim por fazer face aos riscos de fragmentação do MPLA, também presidido por João Lourenço, que se prepara para o próximo Congresso em dezembro.
“Penso que a grande preocupação de João Lourenço, no último ano, tem sido o risco de fragmentação do MPLA”, um partido onde a “tentativa de reunificação da grande família” encontra barreiras devido à retaliação contra o regime anterior.
O analista defende que, mesmo que o pensamento estratégico da Presidência, evolua da hostilização da família do ex-presidente à conciliação, para tentar obter o apoio da família dos Santos para 2022, o processo já escapou ao controlo de Angola.
“As investigações sobre os interesses económicos de Isabel dos Santos que João Lourenço espoletou são agora globais , estão a acontecer em todo o mundo”, frisou.
“Não se vão desmobilizar de um dia para o outro só porque alguém decide em Luanda que já não é conveniente”.
JN