Existem normas para assegurar o mar angolano, mas o problema está na execução das mesmas (ineficácia).O quadro regulatório faz parte dos pilares para o desenvolvimento do cluster marítimo em Angola, daí a reflexão sobre a eficácia do mesmo.
O mar é sustentáculo da economia angolana, por ser ‘epicentro’ da exploração petrolífera, da qual o Estado arrecada mais de 96% das receitas fiscais, mas carece de lei eficaz para a fiscalização, controlo das actividades oceânicas e protecção do ecossistema marinho, um tema levado ao debate na III Conferência E&M Sobre Economia Azul.
Anisabel Veríssimo e Costa, presidente do Conselho de Administração da Agência Marítima Nacional (AMN), participante da mesa-redonda da conferência organizada pela Economia & Mercado, em parceria com a consultora KPMG, reconheceu a fragilidade regulatória existente, apesar do esforço do Executivo para manter a ordem na zona marítima.
“Não há, até ao momento, aquele quadro regulatório desejado, mas temos um que vai atendendo às nossas necessidades mínimas”, afirmou Anisabel e Costa, para mais adiante considerar bom o trabalho desenvolvido pela AMN, tendo em conta os meios postos à disposição.
A implementação de uma norma regulatória efectiva para a fiscalização e controlo do ecossistema marinho e afins, avançou, também está dependente da aquisição de meios adequados às exigências actuais.
Responsabilidade transcende AMN
Durante a intervenção no evento realizado em Luanda, no dia 26 de Julho de 2023, Anisabel e Costa teceu declarações cuja intenção era minimizar a responsabilidade que pende sobre a AMN, em razão da matéria, ao fazer referência a outros organismos com o mesmo encargo.
“É um trabalho que não só compete à AMN, existem outros órgãos públicos”, declarou, tendo mencionado os Ministérios das Pescas e do Interior, instituições com as quais ultimamente tem cooperado.
“Nos últimos anos, avançámos com diplomas importantes. A criação da AMN, em 2021, foi um reforço para o quadro regulatório, porque mudou toda a estrutura de intervenção que existia relativamente ao mar, quando tínhamos dois órgãos separados (Instituto Marítimo Portuário de Angola e Instituto para Hidrografia e Sinalização Marítima)”.
A fusão das duas instituições acima, incluindo a subscrição e ratificação de alguns instrumentos normativos de âmbito internacional, esclareceu a PCA da agência em causa, significou um reforço da regulação marítima.
Carlos Borges, partner e head of advisory da KPMG, que foi prelector da conferência “O Cluster Do Mar Para Além Do Petróleo”, também falou da ineficácia normativa, quanto ao controlo e fiscalização marítima no país.
Para o homem forte da KPMG, até existem normas para assegurar o mar angolano, mas o problema está na execução das mesmas (ineficácia).
O quadro regulatório faz parte dos pilares para o desenvolvimento do cluster marítimo em Angola, daí a reflexão sobre a eficácia do mesmo.
Do petróleo às telecomunicações
A importância do mar para a economia angolana transcende a actividade petrolífera (offshore). Também é o garante das telecomunicações, pelo facto de os cabos submarinos representarem 80 a 90% do tráfego de internet em Angola e noutros países de África, conforme Fábio José, director de Vendas da Angola Cables.
“Mensurámos o impacto da nossa actividade no mar, daí a necessidade de se preservar o ecossistema marinho, contando com a interacção dos outros stakeholders para evitar interrupção dos serviços, causados maioritariamente por embarcações que praticam a pesca de arrasto”.
O desempenho positivo, continuou, passa por uma coordenação entre os diferentes players, principalmente a guarda costeira e as petrolíferas, isso para a definição das melhores rotas. “A âncora de um navio pode danificar um cabo submarino, por isso devemos estar sempre alinhados”.
“A danificação de um cabo submarino, para um país como Angola, tem consequências brutais, já aconteceu algumas vezes, mas tivemos alternativas”, disse o director de Vendas da Angola Cables no país e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Miguel Cordeiro, supervisor de Ambiente, Regulação e Respostas de Emergências da ExxonMobil, também expressou um sentimento de temor em relação à pesca industrial, porque “em alguns casos as acções dos indivíduos ligados a este sector destroem as instalações submarinas”.
A indústria petrolífera e o ecossistema marinho
A actividade petrolífera em Angola, explicou Miguel Cordeiro, é realizada no mar e sem impactos nos ecossistemas marinhos, mas tem de se fazer muito para a redução da poluição, emissão de gases com efeito de estufa e na tecnologia que utiliza. “Estamos a trabalhar para isso”.
“Os impactos são muito baixos e nalguns casos positivos. Às vezes é colocada uma espécie de recife artificial, o que permite o desenvolvimento de muitas espécies marinhas em volta das plataformas petrolíferas, daí o interesse da pesca tradicional naquelas zonas”.
Quanto ao ambiente, o representante da ExxonMobil na conferência disse haver poucos registos de derrames e poluições, tanto mais que os resíduos e lixo são processados em terra. A economia, alegou, ganharia muito com a actividade em offshore se se implementasse a cabotagem.
A indústria petrolífera, explicou, foi concebida para gerar mais emprego indirecto, por ser de capital intensivo. “Treina os trabalhadores para serem competitivos em qualquer parte do mundo”.
Emergência do cluster marinho no país
Maria de Lurdes Bravo, administradora da Agência Reguladora de Carga e Logística de Angola (ARCCLA), afirmou já haver concentração de actividades conducentes à formação de clusters marinhos em Angola.
O argumento da responsável pela área Comercial e Dinamização das Plataformas Logísticas da ARCCLA assenta no crescimento da indústria piscatória e salineira próxima do Porto do Lobito, na província de Benguela, assim como no pleno funcionamento de estaleiros navais.
Relativamente à sustentabilidade económica, Carlos Borges, da KPMG, defensor da gestão responsável dos ecossistemas e carbono azul, advertiu para que se tenha atenção com o turismo, por ser o sector que mais vai agregar valor às economias africanas nos próximos anos.
De acordo ainda com o partner e head of advisory da KPMG, baseando-se em estudos conhecidos mundialmente, até 2070 grande parte dos recursos não renováveis que estão a ser consumidos vai desaparecer.
E & M