A queda das receitas petrolíferas provocou não só uma crise cambial profunda, já que nunca o Kwanza valeu tão pouco face ao Dólar ou ao Euro, como arrasou os cofres públicos ao ponto de gerar dificuldades de tesouraria que atrasaram o pagamento de salários dos funcionários públicos. Junho já foi pago, Julho a ver vamos.
A Conta Única do Tesouro (CUT) atingiu, em Maio, o segundo valor mais baixo de sempre, com um total de 229.756 milhões Kz que davam apenas para pagar apenas cerca de um mês de salários da função pública, de acordo com cálculos do Expansão com base nas estatísticas monetárias e cambiais do BNA. A quebra das receitas petrolíferas e pagamento de dívida externa arrasou saldos dos cofres públicos.
Longe vão os tempos (2019) em que o Tesouro tinha depositados no BNA quase 1,9 biliões Kz, o que de alguma forma permitia descansar o Governo mas também os funcionários públicos de que lhes estava garantida a remuneração mensal sem quaisquer atrasos.
O mesmo já não acontece desde o final de 2022, quando a conta que recebe tudo o que são receitas do Estado tinha apenas 128.410 milhões Kz. E passados cinco meses dessa data, entre ligeiros aumentos e recuos, chega-se a Maio com 229.756 milhões Kz.
Ora, de acordo com o OGE 2023, os salários da função pública têm cabimentados 2,6 biliões Kz para todo o ano, o que significa que o Governo prevê gastar com os 12 salários anuais e o subsídio de férias e de Natal dos funcionários públicos 200,1 mil milhões Kz. Contas feitas, os 229.756 que estavam na CUT em Maio davam apenas para pagar pouco mais de um mês de salários.
Não será assim propriamente uma coincidência a queda dos valores depositados pelo Tesouro no BNA e os relatos de funcionários públicos, entre médicos e professores, a dar conta de atrasos de algumas semanas nos pagamentos dos seus salários. É por isso que em plena crise cambial – o Kwanza depreciou cerca de 40% face ao dólar no espaço de quase dois meses.
Já a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, veio na semana passada tentar sossegar as hostes ao garantir que o Estado “continua a ser capaz” de pagar os salários apesar desta crise em que o Kwanza atingiu o valor mais baixo de sempre. Adiantou ainda que os atrasos nos pagamentos se deve a “algum desfasamento entre o momento em que entra a receita e a data dos compromissos”.
Mas na prática o Estado está quase sem dinheiro pelo que até foi obrigado a fazer duas emissões suplementares de dívida titulada. Como a urgência em garantir liquidez era grande e os bancos não tinham interesse em emprestar dinheiro recebendo em troca taxas de juro tabeladas na BODIVA e definidas pela Unidade de Gestão de Dívida, o MinFin teve que aumentar essas taxas de juro para valores muito acima do que tem praticado.
Uma das emissões feita a 15 de Junho, adquirida pelo BFA, foi de 20,2 mil milhões Kz em Bilhetes do Tesouro a 364 dias, com uma taxa de juro de 19,25%, acima dos 12,15% tabelados na BODIVA. Aliás, a taxa de juro desta emissão suplementar com maturidade de 364 dias foi superior à taxa definida para dívida titulada a 10 anos, que está fixada em 17,00%.
Já a segunda emissão, neste caso de Obrigações do Tesouro, foi absorvida pelo Millennium Atlântico, no valor de 3 mil milhões Kz com uma taxa de juro de 19,25% a três anos, acima dos 13,50% definidos na BODIVA. “Os bancos não queriam comprar e eles [MinFin] por isso aumentaram as taxas”, disse uma fonte do Expansão.
De acordo com dados da ANPG foram produzidos menos 15,6 milhões de barris, ou seja, menos de 100 mil barris diários. Ora, menos produção significa também menos exportação de crude, que caiu quase 12% para 116,1 milhões de barris entre Janeiro e Abril deste ano face ao período homólogo. As receitas brutas com a exportação desta matéria-prima caíram 32,4%, passando de 13.663,9 milhões USD para 9.232,1 milhões e o preço médio do barril de petróleo passou de 103,7 USD para 79,5 USD.
Assim, o petróleo, para o bem e para o mal, continua a ser o motor da economia nacional e o que mais contribui para as receitas fiscais, um sinal de que a tão apregoada diversificação económica está ainda muito longe de preencher as necessidades do País. Veja-se as contas nacionais publicadas esta semana pelo INE, que apontam a uma entrada em 2023 com o “pé esquerdo” já que a economia angolana desacelerou para 0,3% no I trimestre face ao mesmo período de 2022, com uma queda de 8,0% na produção e extracção de petróleo, aquele que é o segundo sector com maior peso no PIB nacional a seguir ao comércio.
Expansão