A proposta do MPLA de substituir a actual presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira, pelo Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, levanta sérias dúvidas quanto à legalidade e constitucionalidade do processo.
À luz do Regimento Interno da Assembleia Nacional e da Constituição da República de Angola, a indicação política anunciada esta quinta-feira pode configurar uma violação dos procedimentos legais previstos para a vacatura da presidência do órgão legislativo.
Segundo o Regimento da Assembleia Nacional, em caso de morte, renúncia ou destituição do Presidente do Parlamento, o Vice-Presidente assume interinamente o cargo, cabendo ao plenário da Assembleia eleger, por voto secreto entre os seus membros, um novo presidente em sessão subsequente. A proposta de substituição directa por indicação partidária, como se verifica com Adão de Almeida, não está prevista nos mecanismos regimentais nem na Constituição (CRA).
A decisão do Bureau Político do MPLA foi tomada esta quinta-feira, 13, durante uma reunião extraordinária realizada no auditório do Complexo Turístico do Futungo II, tendo sido tornada pública por Esteves Hilário, porta-voz do partido. Na mesma reunião, foi agendada a apreciação da proposta para o dia 17 de Novembro, em sessão plenária da Assembleia Nacional, onde também será votada, na generalidade, a Proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o exercício económico de 2026.
Fontes jurídicas sublinham que a indicação do novo presidente da Assembleia por via de designação política “não tem respaldo legal”, uma vez que o artigo 160.º da Constituição, bem como os artigos 105.º, n.ºs 1 e 2, estipulam claramente a independência da Assembleia Nacional e o processo de eleição dos titulares dos órgãos de soberania.
“Trata-se de uma ingerência do Executivo nos assuntos do Legislativo”, considerou um constitucionalista ouvido pelo Correio Digital.
Até ao momento, a Assembleia Nacional não tornou público qualquer pedido formal de renúncia da actual presidente Carolina Cerqueira, eleita em 2022. A sua substituição carece, portanto, de uma base legal clara, sendo que a simples decisão do partido com maioria parlamentar não substitui os trâmites legais estabelecidos.
CD/EXPANSÃO
Análise Editorial – Correio Digital
A Assembleia Nacional não é uma dependência do Executivo
1. A separação de poderes em xeque
O princípio fundamental de qualquer regime democrático repousa na separação de poderes. A recente proposta do Bureau Político do MPLA, que indicou o Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, para o cargo de Presidente da Assembleia Nacional, representa uma violação preocupante deste princípio. Tal proposta, sem que tenha sido declarada formalmente uma vacatura do cargo por renúncia ou outro meio legalmente admissível, revela uma tentativa do Executivo de interferir directamente no funcionamento de um órgão de soberania que deveria ser autônomo.
A Assembleia Nacional não é uma dependência do Executivo nem uma extensão do Comité Central do partido no poder. O seu funcionamento é regido por normas próprias consagradas no Regimento Interno e na Constituição da República de Angola. A substituição da Presidente Carolina Cerqueira, se não for fundamentada em razões legais e acompanhada por um processo interno transparente, configura uma subversão da ordem institucional.
2. O Regimento e a Constituição não deixam margem para dúvidas
O Regimento da Assembleia Nacional, bem como a Constituição (nomeadamente os artigos 105.º e 160.º), determinam com clareza o que acontece em caso de vacatura do cargo de Presidente da Assembleia:
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É o Vice-Presidente quem assume interinamente;
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O novo presidente deve ser eleito entre os deputados, em votação secreta e em sessão plenária subsequente;
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Esta eleição é realizada exclusivamente no seio do Parlamento, sem interferência externa de qualquer outro órgão, incluindo o Executivo.
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Nenhuma das situações que justifiquem a vacatura do cargo — morte, renúncia voluntária ou destituição por deliberação plenária — foi publicamente declarada. Não existe base legal para a substituição da Presidente da Assembleia por mera indicação política externa.
3. Carolina Cerqueira: símbolo da primeira mulher a liderar o Parlamento
A Presidente Carolina Cerqueira representa um marco histórico: a primeira mulher a liderar a Assembleia Nacional de Angola. A sua destituição, sem fundamentação legal e sem o devido respeito pelos trâmites institucionais, não só fere a legalidade como enfraquece a representação feminina em espaços de decisão. A falta de transparência neste processo mina o próprio espírito de inclusão e avanço democrático que o país tenta afirmar internacionalmente.
4. O MPLA e a sua relação conflituosa com o direito que aprova
Há uma contradição gritante entre a prática política e os princípios constitucionais que o próprio MPLA aprovou. Ao agir à margem da lei, o partido governante arrisca-se a minar a própria legitimidade das instituições do Estado. A utilização do Parlamento como palco para validação de decisões tomadas no seio do partido e não por deliberação dos seus membros, representa um retrocesso democrático.
O Parlamento deve funcionar como fiscalizador do Executivo e não como um “carimbo” das suas decisões. Qualquer acto que transgrida este equilíbrio, deve ser visto como um atentado à ordem constitucional.
5. Precedente perigoso e o enfraquecimento do Estado de Direito
Caso esta substituição se concretize da forma anunciada, abre-se um precedente perigoso. Os cargos de soberania passariam a depender da vontade do Executivo ou do partido maioritário, o que desvirtua o espírito da Constituição e debilita o Estado de Direito. A confiança pública nas instituições esmorece quando as regras do jogo são alteradas ao sabor das conveniências partidárias.
Conclusão:
O país encontra-se diante de uma encruzilhada institucional. É responsabilidade dos deputados, da sociedade civil, da imprensa e das instituições jurídicas defender a integridade dos processos democráticos. A eleição do Presidente da Assembleia Nacional deve respeitar a lei, o regimento e os princípios da separação de poderes, sob pena de o Parlamento deixar de ser uma casa do povo para tornar-se uma extensão da vontade de um partido.




