Depois de anos de promessas e obras paralisadas, o Governo avança com a comercialização da Centralidade General Txizainga, na Lunda Sul, marcando o arranque de um novo ciclo habitacional em Angola — mas também o anunciado encerramento da era das centralidades financiadas pelo Estado.
O processo de comercialização da Centralidade General Txizainga, inaugurada em Março último, será lançado nos próximos dias, juntamente com as centralidades de Mbanza Congo (Zaire), Cazengo (Cuanza Norte) e Carreira de Tiros (Malanje). A cidade capital, Luanda, está ausente desta nova fase de vendas.
Cada centralidade contará com 200 apartamentos do tipo T3, disponíveis tanto em regime de propriedade resolúvel como para arrendamento. Os preços de venda variam entre 27.600.000 e 29.600.000 kwanzas, sendo a centralidade General Txizainga a mais cara. O valor do arrendamento foi fixado em 20.630 kwanzas mensais, uniformemente para todas as unidades.
Segundo decretos conjuntos dos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação, o Fundo de Fomento Habitacional (FFH) será a entidade responsável pela comercialização. As obras foram retomadas com recursos próprios do FFH, provenientes dos pagamentos de outras centralidades já ocupadas.
Estas unidades fazem parte de um conjunto de projectos habitacionais que estiveram paralisados durante anos, e que agora marcam o fim do ciclo das centralidades construídas com fundos públicos, conforme afirmou o Presidente da República em 2023.
“Depois dessas centralidades já anunciadas — Cuanza Norte, Malanje, Mbanza Congo, Soyo e Cabinda — não haverá mais centralidades construídas pelo Estado”, declarou João Lourenço durante a inauguração da Centralidade Teresa Afonso Gomes (Bengo).
O Chefe de Estado sublinhou que o foco do Executivo passará para a promoção de políticas públicas que incentivem o sector privado a investir em habitação, incluindo a redução do custo dos materiais de construção, apoio à auto-construção dirigida e atribuição de terrenos infraestruturados.
CRITÉRIOS DE ATRIBUIÇÃO DAS CASAS
O acesso às habitações será regulado pelo Decreto Presidencial n.º 278/20, de 26 de Outubro, que reserva:
- 30% para funcionários públicos;
- 20% para a juventude;
- 15% para o público em geral;
- 15% para empresas públicas e privadas;
- 10% para reservas de emergência (geridas pelo FFH);
- 5% para antigos combatentes e veteranos da pátria;
- 5% para pessoas com deficiência.
O modelo de acesso contempla duas modalidades: sorteio e atribuição directa, sendo esta última feita com base em critérios de prioridade definidos pela entidade gestora.
ANÁLISE EDITORIAL
A comercialização da Centralidade General Txizainga marca um ponto de viragem no modelo de provisão habitacional pública em Angola. Ao mesmo tempo que oferece novas oportunidades de aquisição para segmentos específicos — com destaque para os funcionários públicos —, evidencia o esgotamento do modelo centralizado e financiado exclusivamente pelo Estado.
Embora o discurso oficial enfatize a transição para um papel mais regulador por parte do Estado, persistem dúvidas quanto à capacidade real do sector privado nacional em suprir o défice habitacional, sobretudo em zonas fora dos grandes centros urbanos.
Outro ponto de tensão é o preço dos imóveis, que pode tornar-se inacessível para vastas franjas da população, especialmente considerando os actuais níveis de pobreza, desemprego e informalidade económica. Apesar de o valor do arrendamento ser relativamente acessível, o acesso ainda está condicionado por um processo burocrático, politizado e pouco transparente.
É também importante destacar a fragilidade na continuidade dos projectos iniciados, pois várias dessas centralidades só estão a ser concluídas agora graças à reorientação dos pagamentos de outras centralidades — o que levanta preocupações sobre a sustentabilidade financeira do FFH.
O fim da construção de centralidades, como anunciado, não poderá ser encarado como fim da responsabilidade do Estado na promoção da habitação digna. O país ainda enfrenta um défice habitacional superior a 2 milhões de casas, e o futuro dependerá da eficácia das políticas de estímulo à iniciativa privada e da fiscalização sobre os critérios de atribuição e qualidade das obras habitacionais.