O julgamento do ex-vice-Presidente de Angola, acusado dos crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.Começa esta segunda-feira (22.01), no Tribunal Judicial de Lisboa,
As opiniões dividem-se quanto ao lugar onde deve ser julgado o ex-homem forte da Sonangol. O diferendo entre os dois países subiu de tom nas últimas duas semanas, porque Angola quer que o antigo presidente do conselho de administração da Sonangol seja julgado em Luanda.
“Tenho a impressão que se andar pela cidade de Luanda, inquirindo as pessoas sobre o que que pensam, se Manuel Vicente deve ou não ser julgado aqui, em Portugal, 90 por cento do cidadão comum lhe dirá que sim”, considera o jornalista angolano Graça Campos.
“As pessoas estão fartas dos corruptos e corruptores. E em Angola há quase toda a certeza de que Manuel Vicente não será punido”, acrescenta.
Esta é a visão do cidadão comum, adianta o diretor do Correio Angolense, para quem esta matéria tem um outro lado, mais complexo, inerente ao acordo de cooperação jurídico-judiciária entre os dois países, que, na opinião do jornalista, Portugal parece ter esquecido:
“Quando acionou Angola para enviar Manuel Vicente, parece que Portugal perdeu de vista esse acordo. Esse acordo é taxativo, não permite que Manuel Vicente seja julgado aqui, em Portugal. Por conseguinte, não vejo como Portugal vai sair dessa a partir do dia 22”.
“Ficou claro nas declarações do Presidente João Lourenço que Luanda poderá cortar relações políticas e diplomáticas com Portugal”, diz o jornalista angolano.
Autoridades portuguesas preocupadas com o diferendo
Na entrevista coletiva que concedeu, na capital angolana, a 8 de janeiro, João Lourenço sustentou que o julgamento de Manuel Vicente em Portugal é uma ofensa que terá consequências nas relações entre os dois países. A posição do chefe do Executivo de Luanda deixou Portugal de “mãos atadas”.
Tanto o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, como o primeiro ministro, António Costa, estão preocupados com o diferendo.
A este respeito, o primeiro-ministro português solicitou um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República sobre a imunidade do ex-vice-Presidente, cujo conteúdo se desconhece, com o objetivo de saber se podia satisfazer a demanda de Angola.
Para salvar as relações entre os dois países, António Costa volta a reunir-se com o Presidente angolano, João Lourenço, desta vez à margem do Fórum Económico Mundial, que tem lugar nos próximos dias em Davos, na Suíça.
Entretanto, em declarações aos jornalistas, Costa disse que “não há um problema entre o Governo português e o Governo angolano, entre o Presidente da República portuguesa e o Presidente da República de Angola, entre o Parlamento português e o Parlamento angolano”. Para o chefe do Governo português, “há uma questão que Angola, aliás, identificou muitíssimo bem, de uma forma muito precisa, e que é da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciais portuguesas”.
Interferir para transferir processo?
Antes, também em reação às declarações de João Lourenço, a ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van-Dúnem, afirmou, em entrevista à rádio portuguesa TSF, que o Governo português “não pode nem deve interferir em matérias que são exclusivamente do foro judicial”, à luz do conflito diplomático com Angola.
O jurista angolano João Gourgel reconhece que, à luz da Constituição portuguesa, o poder político não tem competências para interferir numa decisão do poder judicial.
Após analisar o acordo de cooperação na área da justiça, assinado entre Portugal e Angola, Gourgel diz que as autoridades portuguesas podem, sim, interferir para que seja feita a transferência para Angola do processo instaurado contra Manuel Vicente.
“E essa transmissão, a acontecer, decorre da execução ou cumprimento do acordo de cooperação jurídica e judiciária celebrada entre Portugal e Angola no ano de 1995”, explica.
O jurista lembra, por outro lado, que, neste processo, os arguidos portugueses têm necessariamente de ser julgados em Portugal. Já quanto a Manuel Vicente, lembra que “não é nacional de Portugal e não reside em Portugal.
É curioso que o acordo de cooperação jurídica e judiciária celebrado entre o Estado português e o Estado angolano prevê que o processo deve ser julgado no país de residência do infrator”.
“Estas são questões imperativas, de cumprimento obrigatório”, acrescenta Gourgel. Entretanto, a DW África sabe de fonte junto da Procuradoria-Geral da República que Manuel Vicente não poderá ser julgado em Angola porque goza de imunidade. Tal também entende o juiz titular do processo da “Operação Fizz”.
O certo é que o julgamento, que tem início esta segunda-feira, poderá arrastar-se por tempo indeterminado. Portugal não conseguiu notificar o arguido e Manuel Vicente não pode ser julgado à revelia. Tal situação poderá levar a que se abra um processo autónomo.