A Sonangol constrói um hotel de cinco estrelas por mais de 200 milhões de dólares. Entrega a exploração, por 20 anos, a uma empresa privada de gestores da Sonangol, com um bónus à partida de 12 milhões de dólares e um contrato que é uma verdadeira vigarice e uma drenagem dos cofres do Estado. Eis a história do Hotel de Convenções Talatona, a sul de Luanda.
Fonte da Sonangol ironiza: “Não existem melhores gestores públicos no mundo que os nossos [angolanos]. O Hotel está um lixo e já carece de reformas urgentes. Esse empreendimento só cumpre um objectivo – o de enriquecer ainda mais os marimbondos.”
Manuel Vicente, à época presidente do Conselho de Administração da Sonangol, assinou, a 22 de Setembro de 2009, o contrato de gestão do Hotel de Convenções Talatona (HCTA) com a Dream’s Leisure – Hotelaria e Turismo S.A., representada por Carlos Filipe Correia de Almeida, cujos sócios reais são Manuel Vicente, Francisco Maria de Lemos e Orlando Veloso.
Esta empresa foi criada a 9 de Setembro de 2009, meros 13 dias antes da assinatura do contrato com Manuel Vicente. Uma vez que a vigência do contrato de gestão é de 20 anos, a Dream’s Leisure tem ainda mais 10 anos de gestão do hotel, até 2029.
Sendo a Sonangol uma entidade pública, temos neste caso do hotel mais um exemplo de como o Estado continua a ser roubado de forma descarada, com o total beneplácito das autoridades de direito.
O contrato assinado por Manuel Vicente, através do qual se cede a exploração do hotel a uma empresa onde o próprio detém interesses particulares, é totalmente prejudicial à Sonangol. E há truques legais para garantir o saque.
Desde logo, é necessário distinguir entre receitas e lucro (ou resultados) e entre bruto e líquido. É nestas distinções que reside a habilidade do contrato.
O pagamento que a Sonangol deve receber da DL equivale aos resultados líquidos, depois de retirado um montante calculado de acordo com uma determinada formulação ligada às receitas brutas.
O contrato apenas prevê o cálculo dos resultados brutos de exploração. Como explica o analista jurídico do Maka Angola, “a rubrica resultados líquidos é facilmente manipulável, sobretudo quando não é criada uma fórmula contratual para a calcular”.
Segundo o contrato, a Sonangol assume os prejuízos da gestão do hotel, pagando à Dream’s Leisure o que esta cobrar como tal. Desse modo, “o contrato incentiva, de forma óbvia, a Dream’s Leisure a empolar custos e a declarar prejuízos, de modo a saquear ao máximo o Estado”, explica Rui Verde.
“É uma situação exclusiva de ganhos (win-win) para a Dream’s Leisure. Se tem lucro recebe remuneração, se tem prejuízo recebe remuneração (cuja maior parte é calculada pelas receitas brutas) e ainda vê o prejuízo coberto pela Sonangol”, enfatiza o jurista.
Documentos verificados por este portal revelam que, nos 10 anos de gestão, a Dream’s Leisure apenas “devolveu” 11 milhões dos 12 milhões de dólares que lhe foram entregues pela Sonangol. Pagou seis milhões em 2015 e os restantes cinco em 2017. Na verdade, desviou um milhão de dólares para duas empresas dos mesmos proprietários da ROC e Dream’s Leisure, Enakar e Homestar, com a justificação de se ter tratado de reembolso por investimento feito. Não tem dado lucros ao estado.
Temos então um investimento de mais de 200 milhões de dólares que só dá prejuízos ao Estado e enche os bolsos dos marimbondos.
A construção do hotel
Há um elemento extraordinário no total da construção do hotel. Em 2012, reportámos o valor das obras do HCTA, que fora empolado para 159 milhões de dólares. Através desta investigação, é possível revelar agora que o custo final ultrapassou os 190 milhões e 536 mil dólares.
A este valor se acrescem os seis milhões e 670 mil dólares pagos à Sigma Group, para a elaboração do projecto, e mais 7 milhões e 722 mil dólares pagos à mesma empresa pela fiscalização da obra.
A Sigma Group pertence aos mesmos sócios da ROC, que são também os donos da Dream’s Leisure. No total, a Sigma recebeu 14 milhões e 392 mil dólares. Assim, o custo total do hotel atingiu os 204 milhões e 928 mil dólares.
Conclusão
Em dois anos de tanta retórica discursiva contra a corrupção, não se compreende como este tipo de contratos, elaborados para roubar o Estado, continuam a ser protegidos pelo governo do presidente João Lourenço. O nível de impunidade conferido aos gestores públicos que montaram esse tipo de operações é simplesmente incompreensível.
Haverá selecção de marimbondos, simples formigas, hienas, predadores e outros tipos de fauna da corrupção nacional no que toca à aplicação da justiça?
MAkangola