Começa esta segunda-feira (22.01), no Tribunal Judicial de Lisboa, o julgamento do ex-vice-Presidente de Angola, acusado dos crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
O julgamento, no âmbito da “Operação Fizz”, envolve o engenheiro Manuel Vicente, ex vice-Presidente de Angola, suspeito de ter corrompido, em Portugal, Orlando Figueira, quando este era procurador adjunto do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), do Ministério Público.
Segundo a acusação, o arguido terá usado meios e instituições financeiras sedeadas em Portugal para disfarçar a proveniência ilícita de capitais.
Em entrevista à DW África, o jurista português Rui Verde confirma a validade desses acordos de cooperação judiciária, mas alerta que o caso de Manuel Vicente deve ser julgado em Portugal.
Rui Verde explica que “os crimes que o ex-vice-Presidente é acusado não foram cometidos enquanto no exercício de cargos políticos, mas na vida privada dele. Portanto, não há aqui imunidade nenhuma, nem soberania nenhuma em termos legais”.
DW África: Há, de facto, uma possibilidade jurídica, como, por exemplo, no âmbito da CPLP, que poderia transferir o processo contra Manuel Vicente de Portugal para Angola?
Rui Verde (RV): Sim, existe um protocolo de cooperação judiciária. E no âmbito desse protocolo pode existir essa transferência, sim.
DW África: Se este processo for transferido, acha que vai haver rigor por parte da justiça angolana no tratamento do caso?
RV: A questão é diferente. É que em Angola há a chamada Lei de Amnistia, que foi aprovada em novembro de 2016 e que amnistia todos os crimes que tenham acontecido antes e punidos com uma pena de até 12 anos de prisão.
Parece-me que os crimes de que o Manuel Vicente é acusado têm todos uma pena inferior a 12 anos de prisão.
A partir do momento que o processo vai para os tribunais angolanos, esses tribunais são obrigados pela Constituição a aplicar a lei mais favorável, e neste caso é a Lei de Amnistia.
Resultado: o Manuel Vicente sai amnistiado; tem uma espécie de perdão automático. E não é uma questão de os juízes angolanos serem bons ou serem maus, ou desconfiarmos deles ou não desconfiarmos.
É uma questão de a lei angolana exigir que o processo seja amnistiado. Isto quer dizer “acabou”.
Obviamente que esta é a solução política ideal. Portugal finge que entregou o processo seguindo os trâmites judiciais – o que é verdade – e Angola resolve o problema através da Lei da Amnistia. Em termos formais, resolve-se o problema.
DW África: O Governo angolano trata a operação Fizz como um caso político, de soberania. Seria essa uma estratégia para proteger o seu ex-vice-Presidente?
RV: Obviamente que é uma estratégia para proteger o ex-vice-Presidente, porque do ponto de vista jurídico não tem razão. Desse ponto de vista, o processo tinha que ser julgado em Portugal, porque os crimes que o ex-vice-Presidente é acusado não foram cometidos enquanto no exercício de cargos políticos, mas na vida privada dele.
Estão relacionados com a compra de um apartamento em Estoril, em Portugal. Portanto, não há aqui imunidade nenhuma, nem soberania nenhuma em termos legais. O que há é uma luta política e a solução parece ser este arranjo de utilizar a transferência de processos, que efetivamente é permitida de acordo com os protocolos de cooperação judiciária, mas que tem como resultado a amnistia automática do ex-vice-Presidente.
DW África: Se Portugal não ceder à transferência desse processo, como acha que vai ficar a relação entre os dois países?
RV: Na realidade acho que não afeta muito a relação, isto é tudo muito barulho. A relação entre os dois países é de interesse económico e financeiro. Angola necessita de Portugal tal como Portugal necessita de Angola. Portanto, na realidade, o que estamos a assistir é muito barulho, mas sem grande implicações práticas.
DW África: Portanto, mais vale Portugal julgar o caso no país do que transferi-lo?
RV: Acho que isto vai da transparência da justiça de combate à corrupção que se anuncia quer em Portugal, quer em Angola. Era o resultado que tinha que acontecer, o julgamento em Portugal. Tudo que não seja isso é fugir a esses símbolos e bandeiras que agora estão exibidos por esses países.