PGR lusa rejeita enviar processo – Entenda o “caso Manuel Vicente”

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Órgão liderado por Joana Marques Vidal nega que esteja em curso transmissão dos autos da Operação Fizz para Angola e recorda posição do Ministério Público: Vicente tem de ser julgado em Portugal.

Joana Marques Vidal, Procuradora Geral da República, Portugal

A Procuradoria-Geral da República (PGR) nega que esteja em curso qualquer transmissão dos autos da Operação Fizz à República de Angola, recorda que a transferência da acusação de corrupção ativa e de branqueamento de capitais deduzida contra Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola, nunca foi requerida pelo Ministério Público e enfatiza que o juiz que presidirá ao julgamento do caso, que se inicia a 22 de janeiro, já rejeitou tal pretensão apresentada pela defesa do também ex-presidente da Sonangol.

 “O Ministério Público entendeu não se verificar o requisito da boa administração da justiça”“sendo que nunca requereu” a transmissão dos autos, afirma fonte oficial da PGR.

Esta posição do órgão liderado por Joana Marques Vidal surge na sequência de um pedido de reação enviado pelo Observador este sábado, após as declarações do ministro da Justiça de Angola. Francisco Queiroz deu a entender em Luanda que Angola e Portugal estariam a estudar a transferência da acusação de corrupção ativa e de branqueamento de capitais para Luanda. “Há um espaço para a transferência de processos. O assunto está a ser tratado e não seria prudente para ninguém fazer declarações precipitadas que possam ser objeto de leituras diversas, para não atrapalhar todo o trabalho que está a ser feito”, afirmou o ministro, citado na imprensa estatal angolana de sábado. Sem nunca reagir diretamente às declarações de Queiroz, a PGR nega agora que tal transferência esteja a ser efetuada

 

Recorde-se que Manuel Vicente foi formalmente acusado pelo Ministério Público de ter alegadamente corrompido o procurador Orlando Figueira com o alegado objetivo de ver arquivado um inquérito onde o ex-governante angolano era suspeito de branqueamento de capitais. Isto na altura em que ainda era apenas presidente da Sonangol.

O presidente de Angola, João Lourenço, entretanto, subiu a pressão diplomática ao máximo. E, esta segunda-feira, declarou que a a forma como a justiça portuguesa tratou do caso Manuel Vicente é uma “ofensa”, acrescentando que a intenção do seu Governo “é que o processo seja conduzido pela Justiça angolana. A bola não está do nosso lado, está do lado de Portugal”, defendeu.

PGR diz que Angola invocou amnistia e imunidade de Manuel Vicente

Se João Lourenço diz que a intenção de Angola “não é livrar” Manuel Vicente, certo é que a posição oficial transmitida pela PGR de Angola à sua homóloga foi a contrária. Sem nunca se pronunciar sobre declarações de qualquer titular de cargo político angolano, fonte oficial da PGR faz mesmo questão de recordar como tal transferência de processo poderia ser realizada e as posições assumidas pela Justiça angolana.

“Em abstrato, o procedimento de transmissão de processos penais encontra-se regulado pelo artigo 79º e seguintes da Lei 144/99 de 31 de Agosto e na Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP nos casos em que se visa compensar a impossibilidade constitucional de extraditar nacionais”, sendo que tal transferência tem de ser requerida a um juiz (ou a um juiz de instrução criminal, se o processo estiver em fase de inquérito, ou a um juiz de direito, se o processo estiver em fase de julgamento) “pelo Ministério Público ou pelo suspeito”.

Ora, tal como o Observador já tinha noticiado e a fonte oficial da PGR recorda, “a transmissão foi pedida pelo suspeito [Manuel Vicente], matéria que já foi objeto de despacho judicial”: o juiz de julgamento indeferiu o requerimento da defesa do ex-vice-presidente de Angola. 

O juiz Alfredo Costa, assim se chama o magistrado judicial que presidirá ao julgamento da Operação Fizz marcado para o dia 22 de janeiro, também recusou a imunidade diplomática que o advogado Rui Patrício alegava que protegia Manuel Vicente.

A defesa de Vicente recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa — matéria que ainda está pendente.

A mesma fonte oficial da PGR faz igualmente questão de recordar a posição do Ministério Público desde o início da investigação – e que não sofreu alteração. “Em síntese, o Ministério Público entendeu não se verificar o requisito da boa administração da justiça”, previsto na lei como um condição sine qua non para a possível transmissão dos autos para um Estado estrangeiro.

“Este entendimento fundou-se na circunstância das autoridades angolanas terem dado conhecimento à Procuradoria-Geral da República:

  • de não haver qualquer possibilidade de cumprimento de eventual carta rogatória que, porventura, lhes fosse endereçada para audição e constituição como arguido de Manuel Vicente, por considerar que o mesmo é detentor de imunidade“. Matéria que o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, aquando da fase de instrução da Operação Fizz, e o Tribunal Judicial de Lisboa, onde os autos serão julgados, já rejeitaram.
  • “de que os factos estariam abrangidos, em Angola, pela previsão da Lei da Amnistia”.
  • “que não era possível saber, com antecedência, se se aplicaria esta ou aquela lei da ordem jurídica angolana, quando questionada genérica e teoricamente se a Lei da Amnistia seria aplicável ao caso concreto”.

“Assim, considerou o Ministério Público não existir qualquer garantia de que os factos, em caso de transmissão do processo, fossem objeto de apreciação judicial”, conclui fonte oficial da PGR. Isto é, existindo uma acusação pendente do Ministério Público português contra Manuel Vicente, os autos poderiam nunca ser alvo de qualquer tipo de julgamento por, no entender das autoridades angolanas, Vicente não só ter direito a uma alegada imunidade, como os crimes de corrupção e de branqueamento alegadamente praticados já teriam sido amnistiados por uma lei proposta pelo ex-presidente José Eduardo dos Santos.

Resumindo e concluindo: tendo em conta que está pendente no Tribunal da Relação de Lisboa um recurso da defesa de Manuel Vicente sobre a transmissão de processo para Angola, só este tribunal poderá ordenar ao juiz de julgamento que proceda a eventual transmissão.

António Costa esconde parecer do Conselho Consultivo da PGR

Para aumentar ainda mais o imbróglio juridico-diplomático deste caso Manuel Vicente, o primeiro-ministro António Costa decidiu esconder um parecer do Conselho Consultivo da PGR — que o próprio Costa tinha feito questão de publicitar numa entrevista que concedeu à Correio da Manhã TV.

O parecer em causa visa a questão da alegada imunidade diplomática de Manuel Vicente que a sua defesa invoca desde a fase de inquérito, sendo que a Conselho Consultivo da PGR, ao que o Observador apurou, terá retirado as mesmas conclusões que as procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão (as responsáveis pela investigação da Operação Fizz) e que o juiz Alfredo Costa:

Manuel Vicente não tem direito a imunidade diplomática porque os crimes de corrupção e de branqueamento de capitais terão sido praticados quando Vicente era presidente da Sonangol — e não como vice-presidente de Angola.

A decisão do Conselho Consultivo é de 23 de novembro, sendo que o Observador está a tentar obter o texto da decisão junto do gabinete de António Costa desde o dia 30 de novembro de 2017.

Na missiva que o Observador dirigiu à assessoria de imprensa do primeiro-ministro ficou explícito que, segundo resposta de fonte oficial da PGR, o órgão liderado por Joana Marques Vidal “nada tem a opor a essa divulgação”.

O Observador tentou obter o mesmo parecer junto da PGR, mas a posição oficial do órgão de gestão do MP foi a mesma de sempre: tratando-se de um parecer pedido pelo Governo, deve ser este a divulgá-lo.

O primeiro-ministro tem o poder legal de não homologar o parecer — que não tem um carácter vinculativo. Mas essa informação também não foi divulgada ao Observador pela assessoria de imprensa de António Costa.

OBSERVADOR