O investigador angolano Rafael Marques defendeu a realização de uma auditoria ao papel do antigo presidente do Conselho de Administração da Sonangol Manuel Vicente na entrada da China nos negócios no país.
Rafael Marques, questionou por que o também antigo vice-Presidente da República deixou de constar como indiciado no processo em curso nos tribunais, em que são acusados apenas os generais Manuel Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, que segundo o jornalista, não estiveram à frente das negociações com os chineses.
Ele classificou os ajustes directos de indícios de corrupção.
Ao ser o principal orador de uma mesa-redonda organizada pelo Hudson Institute, nesta terça-feira, 7, em Washington, Estados Unidos, com o tema “ A influência corruptora da ajuda chinesa ao desenvolvimento em Angola”, Marques disse que Washington errou ao não incluir Manuel Vicente na lista de sancionados, em que constam apenas Isabel dos Santos, “Kopelipa” e “Dino”.
O investigador lembrou que Vicente está em Dubai, onde também se encontra Isabel dos Santos, apesar de ter dirigido “um corrupto esquema” de investimento chinês em Angola.
“A Sonangol pagava à Sonangol China, uma entidade privada que depois sob a capa de investimento externo, usava o próprio dinheiro de Angola para construir infraestruturas no país”, explicou Rafael Marques, acrescentando que, “muitas dessas infraestruturas não funcionam devido à má qualidade e já precisam de reparação”, enquanto os angolanos “não sabem aonde foi parar o dinheiro”.
A dependência da China
Apesar do secretário de Estado das Finanças ter dito recentemente que o contrato agora assinado entre Luanda e Pequim para a construção das infraestuturas da internet ser diferente e não estar ancorado no petróleo, Marques disse desconhecer os seus contornos e criticou o facto de “nada ser revelado”.
Ele enfatizou ainda que 40% da dívida angolana é referente a empréstimos chineses, que Angola é o país africano com mais dívidas junto de Pequim e alertou para a vulnerabilidade do país em termos de espionagem industrial.
Ao abordar a postura do actual Presidente em relação à corrupção, Marques afirmou que ele começou por “combater a corrupção, mas foi combatido pela corrupção”.
Justiça no centro da corrupção
João Lourenço, ainda segundo aquele investigador, “falhou ao não reformar o sistema da justiça”, que hoje “está no centro da corrupção”.
Deu como exemplos as denúncias quase “diárias” de envolvimento do presidente do Tribunal Superior, Joel Leonardo, em casos de corrupção e a permanência do Procurador-Geral da República, Hélder Pitta Grós no cargo, apesar do mandato ter expirado há dois meses.
“A responsabilidade cimeira é do Presidente que tem o poder de convocar o Procurador-Geral e exigir que se realizem as eleições ao nível do Conselhor Superior da Magistratura para que ele, com poder soberano, possa então na posse dos três candidatos indicados escolher o Procurador-Geral”, disse.
Na sua intervenção, o editor do blog makaangola.org abordou os ajustes directos que são uma forma de corrupção, e, em particular, citou a empresa Otamapalo, cujo sócio maioritário é o governador de Benguela, Luis Nunes, a quem foi entregue a execução do projecto de energias renováveis, financiado pelos Estados Unidos no valor de dois mil milhões de dólares.
Ajustes directos são indícios de corrupção
Questionado pela VOA no final do encontro sobre os ajustes directos, Rafael Marques afirmou que os “ajustes directos de contratação feitos de forma desabrida pelo Presidente João Lourenço são em si mesmo um indício de grande corrupção”.
Aquele activista contra a corrupção lembrou que o fenómeno “domina as instituições do Estado, domina o modo de funcionamento e a mentalidade dos principais operadores do Estado”, e que por isso “é muito difícil os Estados Unidos e países da Uniao Europeia fazerem negócios sem passar por esses caminhos impróprios”.
Por isso, tanto na mesa-redonda como na conversa com a VOA, Marques instou os países ocidentais “a encontrarem mecanismos expeditos e criativos para estimular a discussão sobre a reforma do poder judicial em Angola para garantir a sua autonomia, a sua independência para que faça o seu trabalho com algum sentido de responsabilidade e imparcialidade… só assim poderemos falar de investimentos em Angola que não sejam absorvidos pela corrupção.
Na política externa, Rafael Marques citou a presença recente em Angola de altos governantes da China, da Rússia e dos Estados Unidos e criticou o facto de o Presidente não ter definido a sua política externa, assim como o seu projecto para o país.
VOA