O sector da construção foi alvo de investimentos avultados no período pós guerra. O governo investiu USD 64,4 mil milhões na construção de infra-estruturas públicas, isso entre 2002 e 2012. Até 2017 o valor subiu para USD 150 mil milhões, diz o estudo “O custo do desenvolvimento das infra-estruturas em Angola” apresentado ontem na Universidade Católica de Angola.
O estudo expõe a corrupção endémica que assola o Programa de Investimento Público (PIP) e ajuda a perceber como muitos “marimbondos” enriqueceram com a sobre-facturação.
A economista Regina Santos, co-autora do estudo, revelou que havia desrespeito total da lei e que essa é a razão principal de ter havido tanta corrupção no sector da construção.
As obras eram adjudicados em função dos interesses individuais dos políticos. Por isso não eram realizados concursos públicos. Até as obras mais pequenas eram entregues a empresas estrangeiras para execução em detrimento das nacionais.
Os projectos do PIP não tinham estudos de viabilidade nem limite máximo de gastos. Logo os contratos eram firmados a um determinado preço que era aumentado depois de fechado o processo de adjudicação da obra. Mesmo os projectos financiados por fontes de financiamento externas não eram devidamente preparados.
Não bastando essas questões, os corruptos ou “marimbondos” ainda contratavam trabalhos de baixa qualidade, o que reduzia o custo da obra mas na realidade a diferença era encaixado em bolsos individuais. O Instituto Angolano de Normalização e Qualidade foi incapaz ou impedido de supervisionar as obras e certificá-las.
As decisões de investimento público eram feitas sob forte interferência política dos “marimbondos” e a atribuição das obras públicas não respeitava as normas de transparência.
O economista Alves da Rocha, também co-autor do estudo, enfatizou que “todo o processo de decisão de investimento público envolvia o Presidente da República, na escolha e na determinação dos investimentos e do montante, e o director do antigo gabinete de Reconstrução Nacional que geria a linha de crédito chinês. (…) Na própria contratação pública é que se via que as regras e as normas de contratação pública, em 90% dos casos, não eram respeitadas”.
“Havia muita obra pública que era atribuída directamente a uma determinada empresa, ou então havia listas curtas para a escolha das empresas que iam implementar o projecto de investimento público”, explicou o economista.
A forma “pouco transparente” terá permitido o desvio de fundos o que leva os autores do estudo a avançar que a corrupção na atribuição das obras públicas “deve ter sido muito elevada”.
“Durante o período em que o trabalho se realizou devem-se ter escapado muitos milhares de milhões de dólares, pelo facto do processo não ser transparente. Ou seja, falando directamente, durante este período, a corrupção nas infra-estruturas, ou na atribuição das obras públicas deve ter sido muito elevada”, frisou.
Para se ter noção da grandeza dos roubos levados a cabo pelos “marimbondos” o estudo mostra que construir uma ponte em Angola é 242% mais caro que em Moçambique.
No que diz respeito às obras de manutenção, a discrepância dos custos entre Angola e Portugal, refere-se no estudo, é “enorme” – fazer reparações é seis vezes superior em solo angolano.
O relatório sublinha que, embora seja válido dizer que Angola saiu de um conflito militar de 27 anos, “tem de haver outras explicações para as diferenças referidas, incluindo as comissões que se sabe serem pagas ao longo de toda a cadeia de valor das obras públicas“.
Nesse sentido, os autores do relatório consideram os dados “preocupantes”, uma vez que, havendo corrupção nos países listados, “as despesas em Angola tornam-se muito elevadas”.
O relatório indica ainda que, não obstante as dificuldades, foi possível obter-se uma amostra de projectos de construção pública (cerca de 50) “para os quais uma estimativa de cerca de 25% pode ser extraída da diferença inexplicável entre custos estimados e os pagamentos”.
“Este valor varia, dependendo da natureza dos projectos. Na verdade, de acordo com as informações obtidas, à inspecção de empreitadas de irrigação estão associadas comissões de cerca de 20%, enquanto que para os hospitais provinciais as comissões podem elevar-se até 45%”, lê-se no relatório.
O estudo foi elaborado “O custo do desenvolvimento das infra-estruturas em Angola” foi realizado entre 2010 e 2014. E resulta de uma parceria entre o Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica e o Chr Michelsen Institute.
CD/RFI/Angola24h/Angop